O CAMINHAR COMO (RE)APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NA CIDADE VIGIADA

Publicado em - ISBN: 978-65-272-1352-9

Título do Trabalho
O CAMINHAR COMO (RE)APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NA CIDADE VIGIADA
Autores
  • Pietra Milani
Modalidade
Resumo Expandido
Área temática
Práticas espaciais, espaços de vivência e espaços apropriados
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/ix_neer/899884-o-caminhar-como-(re)apropriacao-do-espaco-na-cidade-vigiada
ISBN
978-65-272-1352-9
Palavras-Chave
vigilância, prática cotidiana, prática estética, caminhar
Resumo
A cidade se concretiza no movimento da vida e no encontro, não existindo separada das pessoas que a habitam e moldam sua essência. Nesse sentido, a cidade é obra e produto sociocultural da sociedade, integrando tanto práticas cotidianas ordinárias e criativas quanto ações estruturantes dos agentes políticos e econômicos. Contudo, na era do digital e das tecnologias difundidas, as estratégias hegemônicas parecem se sobrepor, reprimir e condicionar a vida cotidiana ao empreender, por todo o espaço urbano, formas de controle que objetivam-se ser cada vez mais onipresentes e onividentes. Essas formas de controle se dão por redes de vigilância formadas por sistemas de câmeras de videomonitoramento urbano que se interligam em grandes centrais de controle, onde imagens coletadas sobre a população são monitoradas e gerenciadas em tempo real. Essa infraestrutura tecnológica, que inicialmente, ou propagandísticamente, busca responder às demandas de segurança, acaba por moldar a própria estrutura e funcionamento das cidades ao regular a vida cotidiana da população urbana. Dessa forma, a técnica se transforma em suporte corpóreo do cotidiano (Santos, 1996 apud Costa, 2016), acoplando a todos em um conjunto de procedimentos e atividades de que não se pode escapar (Costa, 2016, p. 133). Isso, contudo, não representa um fenômeno novo, como demonstram David Lyon e Zygmunt Bauman (2014, p. 4) em seu diálogo no livro “Vigilância Líquida”, apesar de a vigilância ser um fator cada vez mais presente nas notícias diárias, o que reflete sua crescente importância em muitas esferas da vida, ela tem se expandido silenciosamente há muito tempo e é uma característica básica do mundo moderno. O que Michel Foucault (1987) conceituou como sociedade disciplinar, a partir da análise do panóptico de Bentham, é a base da discussão da vigilância e contribui de muitas formas para o entendimento dos padrões de dominação e dos sistemas de poder que se auto-sustentam a partir de dispositivos. Foucault (1987) descreve o panóptico como um mecanismo de poder que induz no indivíduo um estado consciente e permanente de visibilidade, assegurando o funcionamento automático do poder. Esse estado de constante observação leva à auto-regulação do comportamento, gerando uma forma de alienação do sujeito. Contudo, à medida que o mundo vem se transformando ao longo de sucessivas gerações, a vigilância assume características sempre em mutação (Bauman, 2014, p. 4). Atualmente, com as cidades cada vez mais compostas e monitoradas por computação difundida e onipresente, as práticas de vigilância idealizadas por Foucault têm se intensificado de maneira significativa, podendo ser pensadas, como sugerem alguns autores, como pós-panópticas. A vigilância contemporânea, portanto, pode ser vista como uma evolução do panóptico foucaultiano, onde a presença constante de dispositivos tecnológicos de monitoramento, ao impor uma constante visibilidade e controle, molda profundamente o comportamento dos sujeitos. Consequentemente, esse sistema redefine também a maneira como os espaços urbanos são apropriados e vivenciados, ao padronizar e regular seu uso, convertendo-os em espaços de conformidade. Esse cenário redefine as dinâmicas sociais e a experiência urbana, criando uma nova forma de relação entre o indivíduo e o espaço que habita, onde a criatividade de ação e expressão é sacrificada em prol de uma suposta segurança e ordem, refletindo a profundidade da alienação descrita por Foucault (1987). No entanto, é exatamente nesse contexto que as ideias de Michel de Certeau (1990) desabrocham. O autor nos convida a olhar para as práticas cotidianas que, apesar de aparentemente insignificantes, representam formas de resistência e subversão contra a disciplina e controle impostos. Portanto, se considerarmos que por toda parte se estende e se precisa a rede da vigilância, se faz necessário e urgente tal como afirma Certeau (1990, p. 41) descobrir como é que uma sociedade inteira não se reduz a ela: que procedimentos populares (também ‘minúsculos’ e cotidianos) jogam com os mecanismos da disciplina e não se conformam com ela a não ser para alterá-los; enfim, que ‘maneiras de fazer’ formam a contrapartida, do lado dos ‘dominados’, dos processos mudos que organizam a ordenação sócio-política. Certeau (1990) traz como maior exemplo dessas “maneiras de fazer” o simples e ordinário ato de caminhar. Esse procedimento popular ‘minúsculo’ não se choca totalmente com a disciplina dos lugares, mas a altera sutilmente e representa a criatividade dos sujeitos comuns em suas trajetórias cotidianas (Costa, 2016). Se é verdade que existe uma ordem espacial que organiza um conjunto de possibilidades e proibições, o caminhante atualiza algumas delas, tanto fazendo-as ser como aparecer e também desloca e inventa outras, pois as variações e as improvisações das caminhadas privilegiam, mudam ou deixam de lado elementos espaciais. (Certeau, 1990). Nesse sentido, o caminhar permite aos sujeitos praticarem uma forma de "microrresistência" às normas e controles impostos. Ao escolher caminhos alternativos, explorar becos e vielas, ou simplesmente vagar sem um destino claro - andare a zonzo na proposta de Francesco Careri (2013) - as pessoas subvertem as expectativas de comportamento previsível e controlado. Certeau (1990) vê esses movimentos como atos de criatividade cotidiana, onde os caminhantes se tornam "poetas do espaço", reinventando continuamente a cidade a partir de suas próprias experiências e desejos. O caminhar é assim uma forma de "escrever" o espaço urbano, onde as pessoas, através de seus percursos diários, produzem uma narrativa própria que desafia a ordem e o controle impostos pela organização técnica da cidade. Francesco Careri, em "Walkscapes: O Caminhar como Prática Estética," expande a noção do caminhar, tratando-o como uma forma de arte e uma prática estética que vai além da resistência cotidiana. Para Careri (2013), o ato de caminhar transforma o espaço em uma paisagem viva e a caminhada em uma performance artística. O autor argumenta que o caminhar permite uma interação direta e sensorial com o ambiente urbano, onde cada percurso se torna uma exploração e uma intervenção estética. Essa prática estética não apenas redefine a maneira como percebemos e nos relacionamos com o espaço urbano, mas também ressignifica os próprios espaços, transformando-os em cenários de expressão pessoal e coletiva. Portanto, na perspectiva de Careri (2013), caminhar é uma forma de apropriação estética do espaço, onde os indivíduos criam novas experiências sensoriais e significados para os espaços que percorrem, complementando e enriquecendo a resistência subversiva destacada por Michel de Certeau (1990). Diante do exposto, conclui-se que, em uma sociedade onde a vigilância constante transforma espaços públicos em locais de controle e conformidade, a apropriação do espaço pelos indivíduos, seja cotidiana ou estética, emerge como uma forma crucial de resistência e subversão. A cidade sempre deixa aflorar o que as políticas hegemônicas visam excluir e segundo Tedesco (2003, apud Costa, 2016, p. 131), é aí que se destaca o mérito do estudo do cotidiano, na habilidade de estabelecer conexões entre os grandes dispositivos sociais que regulam a vida e a emergência do sujeito frente a essas estruturas. Assim, a análise das práticas cotidianas, como o caminhar, revela resistências dinâmicas e criativas contra o arranjo sócio-político de vigilância e controle, onde cada ato de (re)apropriação do espaço não apenas desafia a imposição de normas e restrições, mas também reafirma a presença e a diversidade culturais no tecido urbano, transformando a cidade em um cenário de vivência e expressão contínua.
Título do Evento
IX NEER
Cidade do Evento
Curitiba
Título dos Anais do Evento
Anais do Colóquio Nacional do NEER: Movimentos e devires, espaço e representações
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

MILANI, Pietra. O CAMINHAR COMO (RE)APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO NA CIDADE VIGIADA.. In: . Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/ix_neer/899884-O-CAMINHAR-COMO-(RE)APROPRIACAO-DO-ESPACO-NA-CIDADE-VIGIADA. Acesso em: 02/07/2025

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