ARMADILHA DA REPRESENTAÇÃO NO TERRITÓRIO INDÍGENA PANKARÁ DA SERRA DO ARAPUÁ - PE

Publicado em - ISBN: 978-65-272-1352-9

Título do Trabalho
ARMADILHA DA REPRESENTAÇÃO NO TERRITÓRIO INDÍGENA PANKARÁ DA SERRA DO ARAPUÁ - PE
Autores
  • Eric José Silva Gomes
  • Juliana Guilherme da Silva
Modalidade
Resumo Expandido
Área temática
Identidades territoriais
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/ix_neer/899507-armadilha-da-representacao-no-territorio-indigena-pankara-da-serra-do-arapua---pe
ISBN
978-65-272-1352-9
Palavras-Chave
Território, Identidade, Representação, Povo Pankará da Serra do Arapuá,
Resumo
INTRODUÇÃO Este estudo faz parte de uma pesquisa de pós-graduação e se apoia nos conceitos de território, identidade e representação, incorporando a dimensão simbólica e identitária (dimensão cultural) na análise do território em conexão com a teoria do construtivismo social, na qual as coisas em si não têm um significado absoluto ele é construído e pode sofrer alterações a depender da relação espaço-tempo. Tem como objetivo trazer algumas narrativas de lideranças acerca de conflitos e resistências geradas diante das tentativas do não-indígena de negar, ao povo Pankará da Serra do Arapuá, sua identidade, sua existência. Tentam reduzi-los a seus corpos biológicos, destacando características físicas específicas para criar estereótipos racistas em detrimento da vivência, da vida, do contexto histórico, do ser que se formou ao longo do tempo num espaço determinado, cuja intenção é impedir a posse e manutenção do território tradicionalmente ocupado e reconhecido pelo Estado no município sertanejo de Carnaubeira da Penha-PE. Pois então, nega-se a existência indígena como estratégia de negar o direito ao reconhecimento e demarcação do território indígena, porque não havendo indígena, não há justificativa para reconhecimento de território e as terras continuam sob domínio de fazendeiros e posseiros. METODOLOGIA A fotografia foi o instrumento condutor da metodologia neste trabalho. Foram realizadas oficinas de iniciação à fotografia e ao vídeo. Inicialmente realizamos uma série de minidocumentários em vídeo com o objetivo de registrar o relacionamento histórico entre o povo Pankará da Serra do Arapuá e o quilombo-indígena Tiririca dos Crioulos a partir do relato de seis lideranças anciãs, sendo três do quilombo e três do povo Pankará da Serra do Arapuá. Destes vídeos foram gravadas quinhentas cópias em DVD e distribuídas, como material didático, entre as escolas indígenas do povo Pankará da Serra do Arapuá. Em outro momento foi realizada uma oficina só de fotografia em que quatro lideranças indígenas foram escolhidas pelos participantes para construirmos minibiografias impressas em que fossem registradas a importância de cada liderança para o povo. Aqui escolhemos o formato impresso para facilitar a distribuição e a fruição não depender de um aparelho eletrônico como um DVD Player. Em ambos os casos, a fotografia nos serviu como instrumento de provocação para reflexões e debates acerca da representação, identidade e território. E muitos relatos de conflitos surgiram, o que permitiu a construção deste trabalho. RESULTADOS E DISCUSSÃO Era mais um período de vivência junto com o povo Pankará da Serra do Arapuá. Uma tarde de abril de 2017. Dona Emília Pankará, mãe da cacique Dorinha Pankará, bebendo um café na sala de sua casa na aldeia Cacaria e conversando sobre as tentativas de extermínio de seu povo interpela os personagens dessa história que perseguiram e perseguem seu povo: Quem disse que não sou índia? Só porque sou preta e tenho o cabelo “ruim”? Em poucas palavras, dona Emília Pankará, à época com 89 anos de idade, questiona o conceito de raça que lhe é imposto, nega a binaridade e alteridade racistas que determinam uma representação da diferença através do corpo com um discurso racializado e constituído pelo estereótipo do índio “puro” e “universal” que nega identidades e representações plurais e territórios aos povos contemporâneos. Pois, se não há indígena, não há território indígena. Isso, pelo qual passa o povo Pankará da Serra do Arapuá, é o que Bell Hooks (2019, p. 33) chamou de imposição da representação como ferramenta de dominação e de manutenção da supremacia branca e opressão que, embora estivesse analisando a questão estadunidense, é perfeitamente adaptável a este caso: “Da escravidão em diante, os supremacistas brancos reconheceram que controlar as imagens é central para manutenção de qualquer sistema de dominação racial”. É um controle que também determina uma diferença marcada. E “a forma como [a diferença] é interpretada é uma preocupação constante e recorrente na representação de pessoas racialmente e etnicamente diferentes da maioria da população. A diferença possui significado, ela fala” (HALL, 2016, p. 146). E, no povo em questão, essa fala já foi expressada por meio de banimento de liderança, destruição de aldeia, incêndio de um gentil e questionamentos sobre a indianidade devido ao uso de carro, roupa, celular, por exemplo. Não raro com o apoio do aparato estatal. Na década de 1970 houve o banimento da liderança Luiz Antônio do Santos (conhecido por Luiz Limeira, sogro de dona Emília Pankará), e no ano de 1998 toda a aldeia Massapê foi destruída: escolas, comércio e casas. As noventa e seis famílias da aldeia passaram a viver na periferia da cidade de Floresta-PE (MENDONÇA, 2013, p. 34). Ambos os casos foram promovidos pela elite político-econômica da região contando com forças estatais. O pajé Pedro Limeira, filho de Luiz Limeira relatou o ocorrido com seu pai: “A polícia veio de Floresta (...) aí a casa de pai era aqui. Aí tiraram ela [mãe] com 3 dias de resguardo, dali de dentro da casa, aí butaram ela bem aqui, nesse murinho aqui, com a criança. Aí derrubaram a casa e tocaram fogo na casa aí, dele. A casa de meu pai, a derradeira casa que ele fez foi essa aqui. Aqui casou um bucado de gente, eu me casei aqui. A festa era aqui, um bucado deles foi casado. (...) A casa dele era grande, a casa. Aqui era o fogão de cozinhar carne para fazer festa. Agora daqui nós tiremu ele pra Bahia [devido às ameaças de morte que já estavam muito próximas de serem executadas]. Em 2016, um gentil da aldeia Marrapé foi incendiado depois de alguns episódios de conflitos devido ao culto religioso e a existência indígena Pankará da Serra do Arapuá. Apesar da denúncia e formalização da queixa a Polícia Federal, “ninguém fez nada. Fomos denunciar (...) [em] Salgueiro pra Polícia Federal, mas até então nunca apareceu ninguém pra nada. (...) levei foto, levei tudo mas, ficou por isso mesmo. (...) nem pra olhar que tava queimado ou era nós mentindo. Nunca vieram olhar (Cacique Dorinha Pankará, 2021). Em 2017, a cacique Dorinha Pankará, que também é enfermeira e parteira no hospital público de Floresta-PE, já foi vereadora e, mais recentemente, secretária municipal de Assuntos Indígenas e Igualdade Racial do município de Carnaubeira da Penha-PE, relatou em entrevista que teve sua indianidade questionada em Serra Talhada-PE por usar celular, roupa e morar numa casa e ainda perguntaram se ela comia gente. “E eu não sou gente não? Sou bicho?! Para esse povo, é pra gente andar nu, comer gente e morar no mato. Essa é a visão de algumas pessoas. O processo de reconhecimento e demarcação em curso do território Pankará da Serra do Arapuá fez surgir uma corrida em busca de reconhecimento do ser indígena por parte daqueles que sempre negaram tal existência. No dia 30 de junho de 2022, poucos dias após festa de aniversário póstumo e ritual em homenagem ao pajé Pedro Limeira, falecido neste mês, a cacique Dorinha Pankará foi abordada dentro de seu território no meio da estrada. Era um cenário nítido de intimidação em que duas mulheres, um homem com um cachorro pastor alemão adulto estavam com um carro estacionado de modo que bloqueava a estrada e obrigou a cacique parar. As mulheres solicitarem para Dorinha assinar uma declaração atestando que elas são indígenas do povo Pankará da Serra do Arapuá embora residam e vivam no estado de Alagoas. A justificativa era que, para elas poderem acessar o sistema de saúde indígena, precisariam provar sua indianidade. A única suposta prova documental de vínculo com o povo da Serra do Arapuá era uma carta manuscrita à caneta azul numa folha de papel de caderno escolar, cujo autor havia morrido há poucos meses. Além dessa não ser a forma correta e adotada pela cacique e demais lideranças responsáveis por fornecer esse tipo de documento, Dorinha encerrou a conversa quando uma das mulheres disse que eram de uma das famílias não-indígenas com histórico de perseguição ao povo Pankará da Serra do Arapuá e comentou reservadamente: “eu vou tirar de meu povo para dar a uma pessoa de fora? Não!” CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora resumidamente apresentados, esses relatos nos permitem perceber que é comum o Estado está direta ou indiretamente envolvido, seja ameaçando de morte, demolindo e queimando a casa da liderança Luiz Limeira Pankará, ou simplesmente não investigando a denúncia de incêndio de um gentil. Uma não-indígena cuja família sempre negou e perseguiu o povo Pankará da Serra do Arapuá querer assumir uma identidade que não é sua, nos mostra que as estratégias deste poder também não são absolutas, são construídas e sofrerem alterações numa relação espaço-tempo, tal qual o significado do ser indígena que extrapolou a figura colonial do “índio puro” e “universal” e fez surgir uma diversidade contemporânea que rejeita ser reduzida a ao corpo biológico, a algumas características físicas como a cor da pele e o tipo de cabelo. Percebe-se, também, que a negação da existência do ser indígena percorre caminhos ligados ao uso e consumo de bens como carro e celular, por exemplo, que constituem discursos e representações definidores de sentidos e significados. No entanto, o fato de usar esteira, rede, comer tapioca e macaxeira faz ninguém correr o risco de ser indígena, o branco não deixa de ser branco e nem corre o risco de ser “índio”. Com isso, destaco que nesse longo processo histórico de extermínio de seres e corpos, no qual a decisão sobre quem vive e quem morre é estabelecida pelo poder e objetivos de uma elite político-econômica, são criadas e revividas diferentes estratégias de manutenção deste poder. E uma delas passa pela representação como uma grande armadilha: seja negando a identidade indígena no contexto contemporâneo devido ao uso de um carro ou por ser preta e ter o cabelo “ruim”; seja tentando assumir uma identidade que não lhe pertence para usufruir de um direito indígena, mesmo tendo um histórico familiar de perseguição e negação da identidade dos indígenas Pankará da Serra do Arapuá. E o que liga tudo isso é o direito ao território: ao negar a existência indígena Pankará da Serra do Arapuá, não há necessidade de demarcação de terra indígena e as terras se mantém sob posse e domínio de fazendeiros. Mas, se essa demarcação é inevitável ou já tenha ocorrido, alguns tentam assumir uma identidade que não é sua no sentido de manter-se no território indígena demarcado, a fim de evitar a desintrusão.
Título do Evento
IX NEER
Cidade do Evento
Curitiba
Título dos Anais do Evento
Anais do Colóquio Nacional do NEER: Movimentos e devires, espaço e representações
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

GOMES, Eric José Silva; SILVA, Juliana Guilherme da. ARMADILHA DA REPRESENTAÇÃO NO TERRITÓRIO INDÍGENA PANKARÁ DA SERRA DO ARAPUÁ - PE.. In: . Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/ix_neer/899507-ARMADILHA-DA-REPRESENTACAO-NO-TERRITORIO-INDIGENA-PANKARA-DA-SERRA-DO-ARAPUA---PE. Acesso em: 30/06/2025

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