ATMOSFERAS CLIMÁTICO-AFETIVAS: PERFORMANCES NA “CAPITAL MAIS CALOROSA DO BRASIL”

Publicado em - ISBN: 978-65-272-1352-9

Título do Trabalho
ATMOSFERAS CLIMÁTICO-AFETIVAS: PERFORMANCES NA “CAPITAL MAIS CALOROSA DO BRASIL”
Autores
  • Marcia Alves Soares da Silva
  • Daniel Paiva
  • Daniela Alexandra Carvalho Ferreira
Modalidade
Resumo Expandido
Área temática
Práticas espaciais, espaços de vivência e espaços apropriados
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/ix_neer/897537-atmosferas-climatico-afetivas--performances--na-capital-mais-calorosa-do-brasil
ISBN
978-65-272-1352-9
Palavras-Chave
Palavras-chave: geografias mais-que-representacionais; atmosferas climático-afetivas; espaço público; paisagens térmicas; métodos móveis.
Resumo
Comumente, na Geografia, quando falamos de atmosferas, associamos com algo relacionado à questões climáticas, meteorológicas e afins. No entanto, no contexto da Geografia Humana, temos a ampliação desse conceito, com uma abordagem sobre a percepção atmosférica (Griffero, 2010), entendendo-a enquanto emanação sensorial dos lugares (Paiva, 2022), que envolve o domínio material e imaterial da percepção e imaginação humanas. Percebemos as atmosferas por meio da nossa sensibilidade emocional (Pallasmaa, 2014). Elas entrelaçam o aspecto representacional, o imaterial e o afetivo (Sumatorjo, Edensor & Pink, 2019). Podem ser analisar como fenômenos afetivos, manifestados espacialmente e experimentados corporalmente (Buser, 2014). Tornam-se perceptíveis por meio da participação prática, apreendidas pelo próprio corpo e mediadas através da linguagem, gestos, expressões musicais, religiosas ou outras formas de comunicação (Hasse, 2011). A experiência dos corpos em relação às atmosferas está no campo do afeto/afetar. Nessa relação, pensando a partir da experiência espacial e de paradigmas contemporâneos, como podemos relacionar a experiência atmosférica com a questão climática e afetiva? Isso porque é inevitável considerar que as mudanças climáticas estão se agravando, num contexto econômico, político, cultural e de consumo que tem levando a graves consequências para a saúde tanto dos corpos humanos quanto não-humanos, e também para os ecossistemas, em especial, relacionadas com as dinâmicas do calor. Sobre isso, o desconforto térmico tem sido a atmosfera da experiência cotidiana em várias cidades do mundo, dentre elas, a cidade de Cuiabá - MT. A capital de Mato Grosso, que por um momento, foi conhecida como a “Cidade Verde”, hoje é divulgada no marketing turístico e de consumo como a “capital mais calorosa do Brasil”. O termo “calorosa” aqui tem duplo sentido: a atmosfera de recepção e acolhimento do povo cuiabano; e o calor que beira o insuportável, em especial, entre os meses de agosto a novembro, época de seca na região. A cidade, localizada no centro geodésico da América do Sul, destaca-se por ser uma das capitais mais quentes do país, em função do contexto natural, com a continentalidade e o relevo de relativa depressão, e o contexto morfológico, resultante da significativa urbanização que sofreu (França et al., 2016). A experiência do calor afeta diferentes dinâmicas: como o uso e permanência no espaço público e a mitigação do calor (Lai, 2019); a experiência de consumo, onde as pessoas procuram locais de consumo com temperatura e condições atmosféricas favoráveis (Chen & Ng, 2012; Shooshtarian et al., 2020); a reação fisiológica e psicológica de uma pessoa ao calor e as mudanças comportamentais, com mudanças reativas e interativas e adaptações individuais e coletivas (Yang et al., 2013; Inavonna et al., 2018; Elbanawi & Hamza, 2020b). Na experiência em Cuiabá, observamos que existe uma paisagem térmica em áreas de consumo urbano, caracterizada por práticas em “ambientes térmicos nos quais corpos, materiais e práticas são ordenados, influenciados e afetados pelas temperaturas” (Jensen et al., 2015, p. 64). Num contexto de necessidade e adaptação, as pessoas performam práticas de sombreamento para mitigação do desconforto relacionado com o calor, em especial, no comércio de rua no centro da cidade. Guarda-sois, toldos, a procura de árvores e varandas e bem como a busca por manter-se próximo ao comércio formal com lojas climatizadas são algumas das práticas vistas no contexto do uso do espaço público na cidade, que formam uma paisagem térmica singular, compondo uma atmosfera climática e afetiva do desconforto. Podemos analisar essa relação a partir do conceito de atmosferas climático-afetivas (Verlie, 2019), que discute como as alterações climáticas reconfiguram, perturbam, moldam e dirigem os humanos, e como as práticas afetivas humanas cotidianas contribuem para mudar ou estabilizar o clima, porque vivenciamos mudanças climáticas de forma visceral, intensa, corporificada e emocional. Assim, as emoções também são movidas, capturadas e coreografadas pela atmosfera meteorológica (Engelmann, 2021). As atmosferas climático-afetivas nos permite entender várias formas em rede e em múltiplas escalas, pelas quais o clima e corpos afetam uns aos outros Os efeitos atmosféricos influenciam as relações afetivas, sendo que essas atmosferas não são apenas sobre clima ou a emoção isoladamente, mas sobre como ambos se entrelaçam e afetam a vida, sendo fenômenos interligados e co-dependentes (Verlie, 2019; ). Podemos pensar sobre a injustiça climática-afetiva, porque há uma ansiedade climática eminente em função das várias alterações ambientais que estamos literalmente sentindo na pele nas últimas décadas, sendo também sintomas da violência climática afetiva. Pesquisas estão descobrindo que a experiência vivida de "choques" climáticos (por exemplo, inundações) e "estressores" de longo prazo (por exemplo, secas) podem ter amplos impactos adversos no bem-estar das pessoas, sendo que o aumento previsto das mudanças climáticas certamente vai colaborar no aumento da população humana e não-humana que irá experimentar um sofrimento climática significativo (Verlie, 2024). O sentimento de injustiça climática são experiências sistemicamente injustas e nitidamente diferenciadas dessas violências entre povos indígenas, pessoas negras, pessoas em situação de pobreza, não-humanos e outros grupos marginalizados, argumentando uma violência climática que é sentida afetivamente, gerando o que chama de “angústia climática” (Verlie, 2024) Para entender essa relação entre questão climática e afetiva e a estruturação de atmosferas climático-afetivas, realizamos um estudo qualitativo em Cuiabá - MT em novembro de 2022, utilizando métodos móveis para analisar o impacto do conforto térmico na experiência urbana na cidade. A análise envolveu a participação de estudantes dos cursos de Geografia, Psicologia e Arquitetura e Urbanismo da UFMT e consistiu em observação etnográfica e uma metodologia participativa de biossensor móvel. O estudo aplicou uma metodologia participativa de biossensor móvel com os participantes que caminharam por 1 quilômetro no centro de Cuiabá, usando sensores de atividade eletrodérmica (EDA) para registrar reações corporais às mudanças no ambiente urbano. A EDA do corpo humano oscila em função da sudação do corpo e do estímulo emocional da pessoa, tornando este o indicador mais favorável à análise do conforto térmico subjetivo. As caminhadas ocorreram em dias úteis, evitando o calor extremo e os participantes relataram suas experiências e interpretaram os dados coletados pelo biossensor. O biossensor utilizado foi a Empatica E4, um sensor EDA frequentemente utilizado para medir estímulos emocionais (Osborne & Jones, 2017) e que tem se mostrado eficaz para entender o impacto físico e psicológico do calor. Os dados não foram analisados estatisticamente, mas serviram para provocar a reflexão e comunicação das experiências dos participantes, em conjunto com uma análise qualitativa. As sensações térmicas no centro de Cuiabá - MT são um componente fundamental da experiência de uso desse espaço e que afetam não só uma dimensão física do corpo, com elementos mais perceptíveis, como o suor, mas também emocionais, com um nítido desconforto térmico. Por exemplo, os participantes do estudo associam a experiência do calor a aspectos negativos da sua caminhada, estando as experiências de alívio térmico entre as mais destacadas como positivas. As descrições do impacto do calor na experiência de caminhar em espaço público foram comuns na maioria dos discursos dos participantes, geralmente destacando sentimentos de desconforto, impaciência, cansaço e sofrimento. Alguns dos relatos da caminhada pela centro de Cuiabá envolveram: “No final, houve um aumento do desconforto. Acho que principalmente na subida da Rua Joaquim Murtinho. Eu já estava cansado. Era um lugar sem qualquer proteção do sol. (Participante A.) Durante a caminhada, houve pequenos distúrbios. Senti meu corpo ficando mais suado, mais quente (Participante B.) Foi pior quando passamos por essa parte. Pegamos um pouco de sol enquanto caminhávamos e paramos na sombra. Foi naquela parte do tufo em que estávamos subindo a colina, e lá estava mais quente (Participante C.) Caminhamos mais tempo durante a sombra. Me senti mais confortável naquela rua, mas depois viramos na Avenida Generoso Ponce. Tinha mais movimento e mais sol. (...) Depois, viramos na outra rua. Lá era mais calmo. Mais sombra, menos movimento (Participante D.) Foi uma caminhada tranquila, mas o calor realmente me incomodou (Participante E.)” Alguns participantes mencionaram que a falta de arborização das ruas era um problema porque havia pouca sombra natural. A sombra proporcionada pelos edifícios, pelos toldos das lojas e pelos guarda-sois foi valorizada nas performances dos participantes, que procuraram estes espaços sombreados ao longo do seu passeio em busca de um momentâneo conforto térmico. Do ponto de vista de contribuição para os recentes debates em torno das questões afetivas e mais-que-representacionais na Geografia, é inevitável considerar cada vez mais que as nossas emoções também são impactadas pelas emergentes mudanças climáticas. Parece cada vez mais urgente aprender a conviver com essas mudanças, porque estamos interconectados com o clima e precisamos discutir sobre as nossas capacidades emocionais para responder à crise climática a fim de pensar questões resolutivas que minimizem o sofrimento, a angústia e as violências em torno dessas mudanças. BUSER, Michael. Thinking through non-representational and affective atmospheres in planning theory and practice. Planning Theory, v. 13, n .2, p. 227-243, 2014. CHEN, L., & NG, E. Outdoor thermal comfort and outdoor activities: A review of research in the past decade. Cities, 29(2), 118-125, 2012. ENGELMANN, S. Floating feelings: Emotion in the affective-meteorological atmosphere. Emotion, Space and Society, 40, 2021. 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Título do Evento
IX NEER
Cidade do Evento
Curitiba
Título dos Anais do Evento
Anais do Colóquio Nacional do NEER: Movimentos e devires, espaço e representações
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

SILVA, Marcia Alves Soares da; PAIVA, Daniel; FERREIRA, Daniela Alexandra Carvalho. ATMOSFERAS CLIMÁTICO-AFETIVAS: PERFORMANCES NA “CAPITAL MAIS CALOROSA DO BRASIL”.. In: . Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/ix_neer/897537-ATMOSFERAS-CLIMATICO-AFETIVAS--PERFORMANCES--NA-CAPITAL-MAIS-CALOROSA-DO-BRASIL. Acesso em: 01/07/2025

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