A HOSPITALIDADE DO POVO MINEIRO: O HÁBITO DE TOMAR CAFÉ COM QUAITANDAS

Publicado em - ISBN: 978-65-272-1352-9

Título do Trabalho
A HOSPITALIDADE DO POVO MINEIRO: O HÁBITO DE TOMAR CAFÉ COM QUAITANDAS
Autores
  • Daniele Araújo Ferreira
Modalidade
Resumo Expandido
Área temática
Saberes e sabores
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/ix_neer/896458-a-hospitalidade-do-povo-mineiro--o-habito-de-tomar-cafe-com-quaitandas
ISBN
978-65-272-1352-9
Palavras-Chave
Café com Quitandas, Minas Gerais, Cozinha regional, Hábito alimentar, Hospitalidade mineira.
Resumo
Nas Minas dos oitocentos, da mineração, da crescente urbanização, de pessoas que iam e vinham, de matas e pedreiras, de grandes fazendas com tudo e nada, de mãos que tirava ouro e nas correntes estavam, foi sob este contexto que ocorreu a queda da atividade mineradora e o consequente auge da ruralização no estado de Minas Gerais, que mais tarde desencadeou no surgimento e a formação da culinária típica deste estado. Em Minas Gerais, existe um forte hábito de se consumir quitandas, especialmente em duas refeições, no café da manhã e no café da tarde onde em ambos os momentos a bebida que acompanha é o café. Este costume se tornou um hábito alimentar no estado, que perdura desde o século XIX e está relacionado à forma na qual os mineiros recebem as pessoas em suas casas ou mesmo em outros ambientes. O ato de receber as pessoas está associado com a prática da hospitalidade e que neste caso se refere a ação de servir à mesa variados tipos de quitandas acompanhadas de café, bebida que também é destaque tanto na produção, quanto no consumo do estado. A junção dessas duas iguarias transformou-se em uma identidade alimentar marcante do povo mineiro. A palavra quitanda, é de origem africana e de acordo com o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) possui a seguinte conotação: O termo “kitanda” significa tabuleiro e teve sua origem no quimbundo, língua falada no noroeste de Angola, na África, onde também denominava as feiras e mercados. No Brasil, deu nome aos pequenos estabelecimentos comerciais onde os produtos se encontram expostos para venda em tabuleiros. Argumenta-se que, em Minas Gerais, a palavra quitanda teria adquirido o seu significado atual, designando “tudo aquilo que é servido com café” (IPHAN, 2024). Desse modo, as quitandas surgem em Minas Gerais no século XVIII, em um momento histórico importante que está relacionado com o período da mineração e urbanização da economia regional e que desde o surgimento está relacionado ao contexto da hospitalidade. Por exemplo, o francês, Auguste de Saint-Hilaire, um dos viajantes que esteve no Brasil entre 1816 e 1822, e por Minas Gerais passou um longo período, destacou um dos processos em que as quitandas eram produzidas: “Fazem-se também com farinha de milho bolos, certo gênero de biscoitos, e mesmo, pequenos pães de gosto agradável, mas de miolo muito compacto. Às vezes, mistura-se essa mesma farinha com a de arroz, de centeio ou de trigo, e daí resulta um pão muitos menos compacto.” (Saint-Hilaire, 1998, p.107) Desta forma, para que se possa compreender e entender a cozinha de Minas Gerais, quaisquer que sejam o seguimento, o contexto é de grande complexidade, e quando associamos essa cozinha a uma identidade e a uma imagem é perceptível e pode ser constatado em Abdala (1997, p. 39) que a culinária deste estado está relacionada às tradições e a um conjunto de fatores que foram determinantes no contexto histórico e que persistiu no decorrer dos séculos a partir da formação do estado. Assim, este trabalho tem como objetivo principal destacar e analisar a relação entre a hospitalidade e o hábito de tomar café com quitandas existente no cotidiano do povo de Minas Gerais. O texto se caracteriza como uma pesquisa qualitativa exploratória, que se desenvolveu a partir de pesquisas bibliográficas e documentais contemplando a proposta. Gil (2008) por sua vez, propõe que a pesquisa exploratória tem o intuito de proporcionar maior familiaridade com o tema estudado, além de uma compreensão mais ampla por parte do pesquisador, possibilitando que a investigação esclareça melhor o problema a partir de procedimentos capazes de sistematizar de forma mais precisa. É sabido que nas pesquisas qualitativas o pesquisador procura na sua elaboração e aqui amparado em Alves-Mazzoti e Gewandsznajder (2002, p.131) vislumbrar uma tradição compreensiva ou interpretativa: “as pessoas agem em função de suas crenças, percepções, sentimentos e valores [...] seu comportamento tem sempre um sentido, um significado, que não se conhece de forma imediata, tornando o processo investigativo uma ferramenta precisa a ser executada”. A proposta se sustenta e pode ser justificada pois, é possível perceber que esta prática é uma característica muito marcante do povo que habita este estado e que também se relaciona com os hábitos alimentares. Diante deste fato os hábitos alimentares fazem parte de um sistema cultural repleto de símbolos, significados e classificações, ao passo que nenhum alimento está livre de associações culturais que lhes são atribuídas. A associação da hospitalidade com os hábitos alimentares dos mineiros está presente na literatura desde o século XVIII, por meio de relatos de viajantes europeus que aqui estiveram. Quando se pensa em hospitalidade é possível fazer uma relação com a cultura do povo mineiro, uma vez que esse povo possui como atributo a receptividade, ou seja, o acolhimento, que podemos aqui afirmar que está intimamente ligado ao ato de comer quitandas acompanhadas de café. Walker (2002 apud Dalpiaz et al, 2013) constata que a palavra hospitalidade tem origem no latim hospitalitate, que significa o ato de hospedar, a qualidade de quem é hospitaleiro, a prática de alojar alguém gratuitamente, acolher, caracterizando uma prática tão antiga quanto a civilização. Assim, historicamente a hospitalidade pode ser entendida como um modelo de sociabilidade, de troca, presente desde civilizações pretéritas como uma forma de acolhimento e afeto. Em Minas Gerais, por exemplo, quando um mineiro está no lugar de receber pessoas é comum, ou seja, uma prática indissociável a presença de uma garrafa de café e variados tipos de quitandas para servir, tendo como centralidade a composição da mesa. Segundo a pesquisadora Mônica Abdala (2006, p. 127) em seu artigo “Os sabores da tradição”, aponta que: A partir do século XIX, a presença do café também se tornou definitiva. O bule sempre presente no fogão de lenha, é um forte elemento do cenário da cozinha mineira, onde o café, era servido acompanhando as quitandas, no encerramento das refeições, ou na primeira refeição do dia. Essa prática se tornou um ritual e faz parte do cotidiano da população mineira, sendo um hábito inerente ao processo de receber pessoas. Boutaud (2011) discute o conceito de ritual sob a perspectiva de que o rito é uma celebração, ou seja, a repetição e a encenação de sequências formais baseadas em normas e regras pré-estabelecidas por determinada comunidade (Van Gennep, 1909). O ato de receber alguém é uma celebração para o mineiro, sempre há que se oferecer algo para comer e beber. Conjugado a este contexto é necessário que se faça uma observação a respeito da comensalidade, pois a mesma possui uma função social que permeia os aspectos da hospitalidade, onde o comer em conjunto significa para o indivíduo expor-se perante os olhos dos outros, com os quais se divide a refeição, de forma que este ritual impõe regras e comportamentos, que dependem do contexto em que estão inseridos os comensais, ou seja, comer junto é ser convidado a pertencer (Farias et al, 2020). Fischler (2011, p. 50) afirma que a comensalidade é uma das características mais marcantes no que diz respeito à sociabilidade humana, fato este que não se refere apenas ao ato de comer, mas também aos modos de compartilhamento de experiências, valores e momentos. Em acordo com Algranti (1997, p.93) verifica-se registros de que desde o período colonial a reunião familiar durante as refeições, ocorria em pelo menos uma vez no dia, e que ao longo do tempo tornou-se uma tradição que se perpetuou demarcando e legitimando as relações sociais e afetivas. Deste modo foi possível fazer esta constatação na literatura encontrando o respaldo teórico-metodológico e na prática, haja vista, que a autora deste trabalho é mineira e tem pesquisado sobre a temática, a fim de contribuir com os diálogos que permeiam as questões sobre a cultura e identidade alimentar. Neste sentido e com foco na relação entre as quitandas, o café e a hospitalidade, verificou-se que o ato de comer é político, social, cultural e econômico, que envolve tradição, costumes, práticas e hábitos alimentares. E que mesmo essa prática, de comer em conjunto, não sendo comum em determinadas culturas, no estado de Minas Gerais ela recebe destaque pois, é um ato muito marcante do povo mineiro, que se destaca dentre outras culturas regionais brasileiras. Portanto não esgotando a discussão e já enfatizando que a temática é de grande relevância e complexa, possui um viés interdisciplinar, ao observar que a comida e o comer, assumem uma posição central e essencial no cotidiano das sociedades contemporâneas, tornando necessário o debate, principalmente quando o foco são as culturas e hábitos alimentares regionais. Como mencionado por Brillat-Savarin (1995) “diga-me como comes e o que comes e te direi de onde vens e a qual mundo pertences”. Desta maneira e entendendo o que se come e onde se come, há possibilidades de compreender a discussão e o diálogo quando se trata das relações envolvidas. AGRADECIMENTOS Agradecemos a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) por fomentar essa pesquisa possibilitando o acesso e deslocamento da pesquisadora em atividades voltadas ao contexto alimentar de Minas Gerais. PALAVRAS-CHAVE: Café com Quitandas; Minas Gerais; Cozinha regional; Hábito alimentar; Hospitalidade mineira. REFERÊNCIAS ABDALA, M. C. Receita de mineiridade: a cozinha e a construção da imagem do mineiro: 2ª Ed. Uberlândia: Edufu, 1997. ALGRANTI, L.M. Famílias e vida doméstica. In: Souza LM, organizadores. História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras; 1997. p. 83-154. BRILLAT-SAVARIN, Jean Anthelme. A Fisiologia do Gosto. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. BOUTAUD, J. J. (2011). Comensalidade. Compartilhar a mesa. In: MONTANDON, A. O livro da hospitalidade. São Paulo: Senac, 1213-1230. DALPIAZ, Roni Carlos Costa; DAGOSTINI, Aline; GIACOMINI, Deisi Moraes e GIUSTINA, Maria da Glória de Souza Della. A Hospitalidade no Turismo: O Bem Receber. Revista de Divulgação Cientifica ULBRA Torres – Conversas Interdisciplinares, vol.I, 2008. FARIAS, R. R.; REJOWSKI, M.; MINASSE, M. H. S. G. G. Comensalidade e hospitalidade em Boutaud e suas interfaces com a produção científica posterior. SEMEAD - SEMINÁRIOS EM ADMINISTRAÇÃO, 23, nov., 2020. FISCHLER, C. Commensality, society and culture. Social Science Information - 50th anniversary issue 2011; 50(3-4):528-548 GIL, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social. 6.ed. São Paulo: Atlas. IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1590. Acesso em 20 de julho de 2024. MONTEIRO, Marcelo da Graça. As Relações entre Hospitalidade e Turismo: Análises e perspectivas dos ambientes em que ocorrem. IV SeminTUR – Seminário de Pesquisa em Turismo do MERCOSUL, 7 e 8 de julho. Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2006. SANTOS, L. L,. A fome como cerceamento de direito político: comunicação contra-hegemônica e soberania alimentar», e-cadernos CES [Online], 02 | 2008, posto online no dia 01 dezembro 2008, consultado o 20 julho 2024. Van Gennep, A. (1909). Les rites de passage. Paris: Emile Nourry.
Título do Evento
IX NEER
Cidade do Evento
Curitiba
Título dos Anais do Evento
Anais do Colóquio Nacional do NEER: Movimentos e devires, espaço e representações
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

FERREIRA, Daniele Araújo. A HOSPITALIDADE DO POVO MINEIRO: O HÁBITO DE TOMAR CAFÉ COM QUAITANDAS.. In: . Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/ix_neer/896458-A-HOSPITALIDADE-DO-POVO-MINEIRO--O-HABITO-DE-TOMAR-CAFE-COM-QUAITANDAS. Acesso em: 06/08/2025

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