REPRESENTAÇÕES RELIGIOSAS NO CANDOMBLÉ: “DANÇO AO OUTRO, LOGO EXISTO” – POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO ENTRE CANDOMBLECISTAS E EVANGÉLICOS?

Publicado em - ISBN: 978-65-272-1352-9

Título do Trabalho
REPRESENTAÇÕES RELIGIOSAS NO CANDOMBLÉ: “DANÇO AO OUTRO, LOGO EXISTO” – POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO ENTRE CANDOMBLECISTAS E EVANGÉLICOS?
Autores
  • Caê Garcia Carvalho
Modalidade
Resumo Expandido
Área temática
Religião e religiosidades
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/ix_neer/831194-representacoes-religiosas-no-candomble--danco-ao-outro-logo-existo--possibilidades-de-dialogo-entre-candomble
ISBN
978-65-272-1352-9
Palavras-Chave
Candomblé, Igreja Universal do Reino de Deus, Conflitos inter-religiosos, Cosmovisão africana
Resumo
Esta reflexão é germinada a partir do mestrado em Geografia na Universidade Federal da Bahia, quando investigamos as disputas territoriais envolvendo o Terreiro do Cobre e a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), ambos localizados no bairro do Engenho Velho da Federação, Salvador-BA, entre 2014-1016. É notório como o crescimento evangélico, a partir dos anos 1990, sobretudo em sua matriz (neo)pentecostal, implicou, dentre outros aspectos, em conflitos de ordem religiosa frente aos adeptos do Candomblé e da Umbanda. Estes conflitos germinam num duplo esteio: 1) essas religiosidades disputam o mesmo público, negros(as) pobres das periferias; 2) as entidades das religiões afro-brasileiras são tomadas pelos evangélicos, de maneira geral, como seres malignos. O presente trabalho analisa, frente à tal contexto belicoso de ataques sistemáticos às religiões africanas, a possibilidade de abertura, de uma relação ao Outro marcada pela aceitação da alteridade. E será, ademais, a cosmovisão religiosa africana quem nos legará a base para tal encontro: dançar ao outro como paradigma da existência em contraposição ao cogito ergo sum, como o faz Senghor, é sublevar a visão do outro como objeto e tomar o outro com a mesma dignidade e estatuto de sujeito. Apresentaremos também os conflitos, porém, o enfoque delineado remonta às representações religiosas que instauram a possibilidade da abertura e respeito à alteridade – e não deixa de ser surpreendente que a perspectiva de tal abertura seja posta inclusive àqueles que querem te enxergar como o mal do mundo. Em termos de método, a teoria dos campos de Bourdieu (2003) assevera o quadro analítico à compreensão dos conflitos inter-religiosos: situamos o campo como um espaço abstrato e representacional – sem ser, entretanto, algo existente apenas no plano reflexivo – e que se define através da delimitação dos objetos de disputas e dos interesses específicos que são mais ou menos irredutíveis aos objetos de disputas e aos interesses próprios de outros campos (BOURDIEU, 2003). Teríamos, assim, em contraste e/ou diálogo (outras vezes por indiferença), a constituição de diversos campos: o religioso, o científico, o esportivo etc. É neste enfoque, tomando o campo religioso e suas disputas inerentes à definição das condições espirituais, que situamos o conflito entre a IURD e o Candomblé: tal prisma teórico-metodológico lastreia a compreensão das disputas para além sua aparência imediata – a luta do bom contra o mal, segundo a visão cristã, e a resistência da existência, na ótica candomblecistas. Ambas, na prática, são reais (ao menos empiricamente verificáveis: muitos dos cristãos acreditam na luta contra o Diabo e os candomblecistas, de fato, empreendem uma luta de Davi contra Golias no conflito com evangélicos), mas se fundamentam em contextos que, mormente, transcendem estes agentes – a própria constituição do campo. Valemo-nos ainda de entrevistas que desnudaram como os agentes encarnam determinada cosmovisão e é a partir de sua consubstanciação, aliás, que se anunciam conflitos e perspectivas para o diálogo. Quanto ao bairro em análise, o Engenho Velho da Federação, podemos afirmar que o Terreiro do Cobre se tornou ator central quanto às conflituosidades existentes. Inicialmente, os conflitos se deram a partir da inserção da Igreja Batista que alocou seu templo ao lado do Terreiro. Nas pregações, ataques religiosos contra o Cobre eram feitos em alto volume via caixas de som. Com uma ação judicial, a Igreja teve que procurar outro terreno; num segundo momento, os conflitos envolveram a IURD, localizada – literalmente – frente ao Terreiro. Em que pese a densidade do bairro e a profusão, tanto de igrejas, quanto de terreiros, propiciar estas “coincidências” (primeiro, igreja exatamente do lado; e, agora, exatamente à frente), podemos apontar, ao menos como hipótese, que a escolha locacional das igrejas responde a sua luta contra o Diabo, materializada, segundo certas visões evangélicas, na figura dos templos de matriz africana. Em relação ao Terreiro e a IURD, os conflitos apenas se assentaram após o ápice: a iminência de um confronto físico disparado pela retirada dos Ojás amarrados em postes pelas lideranças locais da Igreja – utilizando-se de luvas, pois, supostamente, tais panos estariam com a marca da Besta. A violência física (em sua quase concretização) pelo lado dos candomblecistas que sucedeu a violência simbólica dos evangélicos promoveu certa harmonização – ou uma paz quente – no bairro, não se notando mais ações temerárias de ambos os grupos. A questão fundamental em face ao conflito, entretanto, é a possibilidade de diálogo entreaberta entre tais distintos universos religiosos. Embora o campo cristão possa asseverar esta confluência – o padre França (1992) defende, por exemplo, que a práxis cristã pode ser encontrada em outros credos ou mesmo em contextos não-religiosos –, é no campo das religiões de matriz africana que uma abertura ao Outro se mostra cristalina. As religiões monoteístas que pautam exclusivamente a si apresentam a dificuldade basilar de ver a verdade em outro sistema religioso, afinal, qualquer concessão ao Outro é uma relativização de sua própria crença – à título de ilustração, pensemos na pergunta retórica que intitula o livro de Edir Macedo (2014), Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios? Se tratam, discrimina o autor líder da IURD, de demônios a enganar os adeptos de determinados credos ou voluntariamente abraçados por outros adeptos para fazer o mal e, assentado na Bíblia, alega Macedo, esta é a única interpretação possível das entidades africanas. Nesta perspectiva, como admoesta Tuan (2005), um dos medos mais excruciantes é o da desgraça personificada e com vontade própria para causa o mal. Assim, além do resguardo, permanece como alternativa a luta contra esse mal, algo muito bem evidenciado em relação às práticas desenvolvidas pelos membros da Igreja e que tiveram como alvo, justamente, os candomblecistas, seus templos e seus rituais. Já no Candomblé, por seu turno, a representação – de mundo, do ser humano, da vida – que lhe enseja trilha outras veredas. Para responder tal questão, faz-se mister reconhecer que a religião, enquanto forma simbólica, baliza uma maneira de compreender/representar o mundo (CASSIRER, 1994). Se a cosmovisão cristã-evangélica-(neo)pentecostal está pautada numa polaridade entre o pecado e a vida com cristo, no Candomblé é outro o prisma que se deflagra. Podemos fielmente vislumbrá-lo a partir da ideia do Axé. Segundo a cosmovisão africana, todo o universo se encontra interconectado, o que está em jogo é a unidade permeada pela força vital, o Axé – um fluido mágico que dá vida e forma a tudo que existe (BENISTE, 2004). Ademais, a obtenção de Axé dos Orixás é o objetivo principal do contato humano com as Divindades (BERKENBROCK, 1999) e, crucial à fruição da força vital, está o par integração-diversidade, decantando um fundamento ético à supracitada cosmovisão. A reciprocidade indica que o que se faz ao outro retorna a si – daí, inclusive, a centralidade das oferendas, uma materialização permanente da troca. Se tudo está interligado pela força vital, incluindo as diversas e diferentes partes do todo, a integração possibilitará a conjugação das diferenças. A integração supõe e exige, então, uma abertura ao outro. A diferença é, pois, complementaridade, como esboça um de nossos entrevistados: “eu preciso de você e você precisa de mim; mesmo que a gente não se aceite por completo [...], nós temos que encontrar as zonas de contato [...]”. Isso entreabre, prossegue o entrevistado, um ponto de vista ético “que coloca como um aprendizado cotidiano, uma experiência democrática, uma experiência possível duma democracia, que é poder conviver radicalmente com respeito ao outro, à alteridade, ao que o outro é”. Importa destacar que os valores que poderiam parecer estritamente religiosos se esparramam para todo o âmbito da vida social, compõem, de fato, uma cosmovisão ao mundo. O princípio da interconectividade leva-nos a compreender a integração e, consequentemente, o respeito à diferença. Embora apenas um entrevistado falasse expressamente nessa abertura à alteridade enquanto princípio ético, tal princípio se impunha na forma de experienciar e representar o bairro. É dessa maneira que se explica, por exemplo, porque esses agentes falavam das diversas religiões à definição da identidade do Engenho Velho e não somente do Candomblé para definir a representação do bairro (mesmo sendo um lugar conformado historicamente pelos terreiros). Dança-se ao Outro. É essa abertura ao outro que fundamenta tal representação. Nota-se que, frente ao ódio e ao preconceito, a resposta dos adeptos do Candomblé passa pela inclusão, por aceitarem e valorizarem a diferença. Pergunto para uma entrevistada qual é a visão de mundo de sua religião. “A [nossa] visão de mundo é a vida, a [nossa] visão de mundo é o outro, é aceitar o outro, é interagir com o outro, que sabe que o outro é diferente, mas habita a mesma casa que Deus fez pra todo mundo”. Se a cosmovisão africana assenta a possibilidade do encontro, uma pergunta merece ser feita – até que ponto o encontro à alteridade é passível frente a uma cosmovisão que busca a negação e conversão do Outro, que busca transformá-lo em outro Eu, conforme se notabiliza na pregação (neo)pentecostal? As perspectivas são estreitas, mas acredita-se que a apresentação do sistema simbólico do Candomblé e seus fundamentos éticos auxiliam na diminuição das resistências – e preconceitos – ao referido credo. Referências bibliográficas: BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Lisboa: Fim de Século, 2003. BENISTE, J. Òrun – Àiyé: o encontro de dois mundos: o sistema de relacionamento nagô-yorubá entre o céu e a Terra. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. CASSIRER, E. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994. MACEDO, E. Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios? Rio de Janeiro: Editora Universal, 2014. OLIVEIRA, D. Cosmovisão africana no Brasil: elementos para uma filosofia afrodescendente. Curitiba: Editora Gráfica Popular, 2006. SENGHOR, L. Liberté I, négritude et humanisme. Paris: Seuil, 1964. TUAN, Yi-Fu. Paisagens do medo. São Paulo: Ed. Unesp, 2005.
Título do Evento
IX NEER
Cidade do Evento
Curitiba
Título dos Anais do Evento
Anais do Colóquio Nacional do NEER: Movimentos e devires, espaço e representações
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

CARVALHO, Caê Garcia. REPRESENTAÇÕES RELIGIOSAS NO CANDOMBLÉ: “DANÇO AO OUTRO, LOGO EXISTO” – POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO ENTRE CANDOMBLECISTAS E EVANGÉLICOS?.. In: . Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/ix_neer/831194-REPRESENTACOES-RELIGIOSAS-NO-CANDOMBLE--DANCO-AO-OUTRO-LOGO-EXISTO--POSSIBILIDADES-DE-DIALOGO-ENTRE-CANDOMBLE. Acesso em: 30/06/2025

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