A ATUAÇÃO DO ESTADO NO OITOCENTOS E O CRIME DE REDUÇÃO DE PESSOA LIVRE À ESCRAVIDÃO NO CEARÁ E EM OUTRAS PROVÍNCIAS DO IMPÉRIO

Publicado em 06/12/2021 - ISBN: 978-65-5941-458-1

Título do Trabalho
A ATUAÇÃO DO ESTADO NO OITOCENTOS E O CRIME DE REDUÇÃO DE PESSOA LIVRE À ESCRAVIDÃO NO CEARÁ E EM OUTRAS PROVÍNCIAS DO IMPÉRIO
Autores
  • Antonia Márcia Nogueira Pedroza
Modalidade
Comunicação em Simpósio Temático
Área temática
Polícia, crime e prisões na sociedade escravista oitocentista (Prof. Dr. Wellington Barbosa da Silva - UFRPE)
Data de Publicação
06/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/iisimpgeassul/733680-a-atuacao-do-estado-no-oitocentos-e-o-crime-de-reducao-de-pessoa-livre-a-escravidao-no-ceara-e-em-outras-provinci
ISBN
978-65-5941-458-1
Palavras-Chave
escravização ilegal, crime, agentes do Estado, século XIX
Resumo
Apesar de a prática de escravizar gente livre no Brasil ter ocorrido desde muito antes de 1830, até este ano as disputas judiciais em torno da escravização e da reescravização ilegais estavam circunscritas ao âmbito da justiça civil. Nesse ano de 1830 foi promulgado o primeiro Código Criminal do Brasil independente, cujo artigo 179 tipificava e criminalizava a prática de reduzir pessoa livre à escravidão e estabelecia punição de prisão e multa àqueles que incorressem nesse crime. As penas estabelecidas para o crime eram de prisão com duração entre três a nove anos e multa correspondente à terça parte do tempo que durara a escravização ilegal. A lei instituía também que o tempo de prisão do escravizador nunca poderia ser menor do que o tempo em que ele mantivera a vítima sob cativeiro injusto, somando a isso mais uma terça parte desse tempo. Com fundamento na normatização jurídica, tornou-se possível que os escravizadores de gente livre fossem responsabilizados criminalmente por essa conduta, julgados e eventualmente condenados e penalizados. A partir da pesquisa realizada na imprensa, nos relatórios de presidente de província, relatórios ministeriais, doutrinas de jurisprudência, dentre outros documentos históricos, este trabalho procura analisar os fenômenos da escravização e da reescravização ilegais efetuadas contra descendentes de africanos, no Brasil imperial, colocando em relevo os casos em que localizamos envolvimento de agentes do Estado (autoridades administrativas, policiais e judiciárias) nos atos ilegais. Procuraremos demonstrar que a atuação direta, ou a coparticipação dessas autoridades que, por meio do exercício de suas funções, representavam o Estado, em casos de escravização e de reescravização ilegais, colaborou para a disseminação dessas práticas, dificultou a punição dos criminosos e também contribuiu para fortalecer o medo da escravização que se generalizou entre a população preta livre e liberta em meados do século XIX. Uma primeira constatação é necessária: de um lado, presidentes de província, chefes de polícia, delegados, juízes e promotores entre outros, atuaram para esclarecer denúncias de escravização ilegal, encontrar pessoas que haviam sido sequestradas e devolver a liberdade para escravizados e reescravizados; de outro lado, porém, a escravização ilegal e a reescravização foram favorecidas pela existência de funcionários públicos protagonizando os crimes ou atuando como cúmplices. Os atos criminosos incluíam práticas de falsificação de documentos, emprego da intimidação sobre as vítimas, juízes agindo com parcialidade e chefes de polícia acobertando a ação de escravizadores, porque estavam envolvidos nas intrigas políticas locais e porque integravam parentelas em conflito. A Justiça, que oferecia às vítimas um meio formal e legal de reação ao crime de redução de pessoa livre à escravidão, nem sempre fornecia a segurança jurídica e a equidade, e forças externas interferiam no julgamento, fazendo pender a balança para o lado do escravizador. O exemplo de Amaro Carneiro, no Rio Grande do Norte, delegado e deputado, é ilustrativo das diferenças nas condições de luta no interior dos conflitos e das diferenças de tratamento dado aos acusados, não somente pela Justiça, mas também em outros espaços sociais. Amaro, denunciado por reescravizar ilegalmente um homem liberto, teve por advogado um dos mais renomados bacharéis do Império, foi defendido por seus correligionários na Câmara de deputados, tratado como homem honrado. Conseguiu em seu favor uma ordem de habeas corpus, medida preventiva contra sua prisão por crime de reduzir pessoa livre à escravidão, e no final saiu limpo na justiça, teve o sumário de culpa instalado contra ele, julgado pelo juiz como improcedente. Também é ilustrativo dessa situação o caso de José Clemente Pereira, provedor da Santa Casa da Misericórdia, na corte, Rio de Janeiro, denunciado na imprensa como escravizador de gente livre, por vender enjeitados, crianças pretas e pardas, que haviam sido entregues aos cuidados da instituição gerida por ele. Ao falecer, o provedor foi homenageado pelo Imperador, que encomendou um busto para eternizar sua memória, tributo estendido a sua esposa, agraciada com o título de condessa da Piedade. José Clemente Pereira foi apenas um dentre os muitos funcionários públicos que tiveram seu nome ligado ao crime de reduzir pessoas livres à escravidão. As denúncias publicadas nos jornais, de envolvimento de agentes do Estado em casos de escravização ilegal, não cessaram no Brasil, ao longo do Oitocentos. Em 1860, de acordo com o presidente da província do Maranhão, Joaquim Ascenso da Costa Ferreira, subdelegado do distrito de Jabutituba, teria sido cúmplice em um crime de reduzir à escravidão pessoas livres, razão pela qual a referida autoridade administrativa o exonerou do cargo. A partir da década seguinte, de 1870, uma parcela dos conflitos em torno do crime de redução de pessoa livre à escravidão foi vinculada ao decreto nº 4.835, de 1º de dezembro de 1871, lançado em função da lei 2.040, promulgada em 28 de setembro daquele ano, conhecida como Lei do Ventre Livre que, dentre os temas legislados, tratou da matrícula dos escravos, tornando-a obrigatória. O decreto nº 4.835, de 1º de dezembro de 1871, estabelecia em seu artigo 19, que “Os escravos que, por culpa ou omissão dos interessados, não forem dados á matricula até o dia 30 de Setembro de 1873, serão por este facto considerados libertos, salvo aos mesmos interessados o meio de provarem em acção ordinaria, com citação e audiencia dos libertos e de seus curadores”. Para reaverem o direito sobre os libertos, os pretensos proprietários teriam que entrar com ação ordinária, na qual os libertandos teriam direito a um curador. Por sua vez, para reaver a sua alegada propriedade, o pretenso proprietário teria que provar: “ 1º O dominio que têm sobre elles; 2º Que não houve culpa ou omissão de sua parte em não serem dados á matricula dentro dos prazos dos arts. 10 e 16.” Os casos de reescravização que não seguiam esses procedimentos civis legais poderiam ser interpretados como crimes de redução de pessoa livre à escravidão. Publicações na imprensa tratando de denúncias de casos de reescravização ilegal, relacionados ao tema da falta de matrícula ou da falsificação desta, foram comuns em várias províncias do Império. Muitas vezes para se conseguir efetuar a escravização ou reescravização produzia-se uma matrícula falsa, sendo nesses casos acrescentado também o crime de falsidade. Para a execução e o sucesso de um crime desses eram imprescindíveis, a autoria ou cumplicidade de algum agente do Estado com acesso aos livros de matrícula. Muitas denúncias dessa natureza foram parar nos jornais. Por exemplo, em Goiás, entre 1876 e 1879, foi divulgado o caso da escravização ilegal de Felícia, de quatorze anos, livre ou liberta, vendida como escrava por meio de matrícula falsa. Foi instaurado processo criminal relativo à falsificação da matrícula e a venda ilegal de Felícia contra três homens Bento Luiz da Cunha, o escrivão em Rio Bonito que teria falsificado a matrícula, Olegario Miranda, o vendedor e Antonio Maria Moraes, o comprador. Especificamente nas pesquisas que realizamos na imprensa cearense, acerca do decreto nº 4.835, de 1º de dezembro de 1871 e dos conflitos em torno da matrícula, identificamos uma quantidade significativa de solicitações feitas por proprietários, de abono de multa por deixarem de matricular filhos livres de mulheres escravas. Apesar disso, foram a reescravização ilegal de pessoas que ficaram libertas em função da falta de matrícula e a escravização ilegal de pessoas livres por meio de falsificação de matrículas que promoveram maior barulho nos jornais. Alguns proprietários não matricularam seus escravos dentro do prazo legal, e depois o fizeram, burlando a lei, sem seguir o que estava estabelecido no referido decreto, o que deu origem a uma série de denúncias estampadas na imprensa. Algumas das quais se converteram em processos, expondo diversas atividades ilegais praticadas por funcionários públicos que atuavam na província cearense, dentre ele juízes, promotores, e o próprio presidente da província, relacionadas ao crime de reduzir pessoa livre à escravidão. A prática desse crime foi persistente e identificada em numerosas situações, mas pode-se afirmar que frequentemente esses fatos vieram à tona estreitamente ligados às conjunturas políticas e às alianças e rivalidades de políticas locais. As vítimas souberam explorar as possibilidades, no interior das relações clientelistas e das rivalidades políticas entre as classes proprietárias e os homens letrados, para levar a luta pelos seus direitos até o campo da lei, sob a forma de processos civis ou criminais. Por outro lado, no mundo dos proprietários e políticos, entre esses homens públicos que se opõem no interior de um sistema político atravessado pela violência, a acusação de redução de pessoa livre à escravidão significava uma boa arma para se apontar contra os adversários. Homens livres, proprietários, cidadãos com direitos amplos, que denunciaram escravizadores de gente livre, que encabeçaram lutas na defesa da liberdade de escravizados ilegalmente, o faziam principalmente quando o escravizador era um adversário político ou desafeto pessoal. Importa destacar que nesse jogo, envolvendo redes de clientela, disputas políticas locais e intrigas de famílias, os escravizados e aqueles que sofriam ameaça da escravização ou reescravização se mostraram capazes de, em determinadas ocasiões, empregar as melhores estratégias para conseguirem o acesso à Justiça e obterem ou manterem a liberdade.
Título do Evento
II Simpósio Internacional dos Grupos de Estudos em Animais Selvagens do Sul do Brasil - II SIMPGEAS Sul
Cidade do Evento
Curitibanos
Título dos Anais do Evento
Anais do Simpósio Internacional dos Grupos de Estudos em Animais Selvagens do Sul do Brasil
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

PEDROZA, Antonia Márcia Nogueira. A ATUAÇÃO DO ESTADO NO OITOCENTOS E O CRIME DE REDUÇÃO DE PESSOA LIVRE À ESCRAVIDÃO NO CEARÁ E EM OUTRAS PROVÍNCIAS DO IMPÉRIO.. In: Anais do Simpósio Internacional dos Grupos de Estudos em Animais Selvagens do Sul do Brasil. Anais...Curitibanos(SC) UFSC, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/IISIMPGEASSul/733680-A-ATUACAO-DO-ESTADO-NO-OITOCENTOS-E-O-CRIME-DE-REDUCAO-DE-PESSOA-LIVRE-A-ESCRAVIDAO-NO-CEARA-E-EM-OUTRAS-PROVINCI. Acesso em: 12/05/2025

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