UMA LEITURA PSICANALÍTICA DO FILME "A BELA E A FERA".

Publicado em 03/01/2023 - ISBN: 978-85-5722-522-0

Título do Trabalho
UMA LEITURA PSICANALÍTICA DO FILME "A BELA E A FERA".
Autores
  • Profª. Elaine Cristina da Fonseca C. Pettengill
Modalidade
Resumo expandido
Área temática
Psicologia
Data de Publicação
03/01/2023
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/conigran2022/502427-uma-leitura-psicanalitica-do-filme-a-bela-e-a-fera
ISBN
978-85-5722-522-0
Palavras-Chave
Psicanálise, Luto, Teoria da Inveja, Mundo psicológico, Mecanismos psíquicos.
Resumo
INTRODUÇÃO: O aprendizado de teorias Psicanalíticas pode ser favorecido por iniciativas pedagógicas que entrelacem as teorias às obras literárias. Assim, o presente estudo é uma importante contribuição e estratégia didática para a assimilação de preceitos da Psicanálise, um recurso facilitador para este aprendizado para profissionais e estudantes dos cursos de Psicologia, Psiquiatria e áreas afins. Nantes e Pettengill (2021) demonstram em seu estudo esta possibilidade didático-pedagógica, quando a partir da análise psicanalítica da obra “O beijo no asfalto” de Nelson Rodrigues, discutem pressupostos teóricos como as estruturas clínicas neuróticas e perversas, os mecanismos de defesa do ego descritos por Freud e Ana Freud, a teoria das Posições e as defesas maníacas propostas por Klein. O conto de fadas “A Bela e a Fera” foi escrito no século XVIII e reescrito em 1757 por Jeanne-Marie de Beaumont. Em 1991 a produtora Walt Disney faz uma adaptação da história para a versão atual (LABCON, 2018). Foram produzidas diversas versões até chegar à última versão em 2017, que foi utilizada como objeto de análise deste estudo. OBJETIVO: apresentar uma discussão psicanalítica dos fenômenos psicológicos observados no filme “A Bela e a Fera” da produção Walt Disney. METODOLOGIA: Estudo de Caso a partir de obras clássicas da Psicanálise. RESULTADOS: Uma festa oferecida no castelo pelo príncipe, é interrompida pela chegada de uma feiticeira. Ela o aconselhou a não se enganar pelas aparências, pois a verdadeira beleza está no interior das pessoas. O príncipe a expulsa do castelo e então ela se transforma numa bela mulher, jovem, ameaçadora e retaliativa, como nas fantasias infantis da mãe enquanto objeto danificado (pela inveja e destrutividade da criança) que se torna persecutória (SEGAL, 1973). A feiticeira lançou um feitiço sobre o príncipe e todas as pessoas do castelo, transformando-o em uma fera (castrando-o portanto da beleza) e a todos os serviçais do castelo, que foram transformados em objetos (representando os objetos internos do príncipe, ou seja, a vitalidade de seu mundo interno). O príncipe e as pessoas que moravam no castelo e que foram transformadas em objetos, foram esquecidos por todo o reino. A feiticeira deixou para o príncipe uma rosa vermelha... Se ele não encontrasse alguém que o amasse de verdade (independente de sua aparência), isso antes de cair a última pétala, ele ficaria com a aparência de uma fera para sempre (sem amor: sem humanidade), e todos os serviçais permaneceriam para sempre como objetos. Bela é considerada “estranha” pela comunidade onde vive porque, apesar de ser mulher (privada do falo, segundo a teoria Freudiana), cultiva sua intelectualidade e vislumbra uma vida para além das expectativas para as mulheres daquela época (casar, ter filhos e cuidar do marido). Neste ponto a Bela e a Fera têm algo em comum: causam espanto na sociedade e sentem-se insatisfeitos com sua realidade de vida. A Fera porque tem sua libido e interesses voltados ao passado (perda da mãe e perda de sua “beleza humana”) e Bela tem sua libido dirigida ao futuro. Dessa forma, nenhum dos dois investe nas relações e no seu momento atual, configurando-se naquilo que Freud (1930-1997) nomeou de Neurose. O moço (Gastão) aparentemente “apaixonado” por Bela, na verdade não é capaz de amar nada que não seja ele próprio: seu objetivo era conquistar Bela porque ela tornou-se um desafio, difícil de ser conquistada, o que tornaria tal conquista um troféu. Em outra cena, o pai de Bela entra no castelo e rouba uma rosa (símbolo da vitalidade e jovialidade) do jardim do castelo, e é surpreendido pela Fera. A Fera exige uma vida por uma rosa: ou a vida do pai de Bela ou a vida de Bela. A rosa parece representar o amor objetal (e verdadeiro – não narcísico), que ele, a Fera, não sabia nutrir. Amor objetal, segundo Klein (1935, apud SEGAL, 1973) significa a capacidade de considerar o outro como não-extensão de si mesmo e de investir afeto nesta relação apesar desta frustração. Quando a Fera abre a cela, Bela empurra seu pai para fora e toma o seu lugar no cárcere, como se dissesse: “Não posso deixar você ficar no meu lugar e viver a minha vida por mim”, afirmando sua independência emocional (ERIKSON, 1968-1976). Enquanto se aventura nas dependências do castelo, Bela se depara com a Rosa Vermelha do feitiço da Fera. Assim que se aproxima da rosa vermelha (que representa aqui a sua sexualidade adulta), é surpreendida pela Fera, que a acusa de que ela poderia pôr tudo a perder se tocasse na rosa. Tocar na rosa aqui parece representar a masturbação e a independência da mulher, que pode desejar para si não se casar com ninguém, o que, para a Fera, significaria seu próprio fim. Bela aos poucos se percebe apaixonada pela Fera e comprometida com o seu próprio futuro, com sua vida adulta que começa agora, e canta pedindo ao pai para largar da sua mão, apesar de tantas incertezas a respeito desse futuro. Bela e Fera se sentam no jardim para conversar: Ela diz que ainda não lhe agradeceu por ele ter salvo sua vida (salva talvez das próprias fantasias edipianas) e ele também agradece a ela por ter salvo a vida dele (de morrer sem saber o que é o amor objetal). No último jantar do filme, Bela e Fera se vestem em trajes de festa, dançam e depois Fera pergunta à Bela se ela viverá com ele ali no castelo. Ela pergunta a ele como é possível alguém ser feliz não tendo liberdade... Ela o lembra que, apesar dos momentos agradáveis que estão passando juntos, seu amor ainda é egoísta. Mas Fera finalmente permite à Bela ir embora. Se dá conta do amor que sente por ela e de sua dependência afetiva em relação a ela, permitindo-se chorar a dor desta perda. Bela reconhece que Gastão na verdade é que é uma fera pois, apesar de seus belos atributos físicos, é manipulador e sem escrúpulos. O povo está tentando arrombar as portas do castelo. A comunidade está diante de um lugar que conhece, mas que se esqueceu (em razão do feitiço). O castelo aqui esquecido representa o inconsciente, as memórias esquecidas, as experiências da infância e a parte instintiva do ser humano (sua fera interna). A paralisia da vida psíquica sem o amor é retratada na cena em que se destaca o risco de que os serviçais permaneçam para sempre como objetos se a última pétala da rosa cair. A Fera se transforma em humano, e a vida se torna possível novamente após a batalha vencida pelos serviçais do castelo contra a comunidade (liderada por Gastão). DISCUSSÃO: A feiticeira desejou que todos passassem por aquilo que ela passou: era desprezada e esquecida pela sociedade em razão do envelhecimento e da pobreza, invejando então a jovialidade e beleza do príncipe e o respeito que ela não tinha das pessoas. Essa inveja voraz é descrita por Klein (SEGAL, 1973) como uma inveja destrutiva mobilizada por intenso sentimento de impotência que por sua vez reflete a vulnerabilidade da vida infantil. Cada pétala da rosa parece estar representando o vigor da juventude que se perde com o passar dos anos... A cada viagem que o pai de Bela faz, ela pede a ele que traga para ela uma rosa. Nota-se o Complexo de Édipo (FREUD, 1905-1996) de Bela que ainda tem seu pai como único objeto de amor. Tendo o pai de Bela ficado preso no castelo, seu cavalo vai até ela. O cavalo está representando a função paterna que possibilita a escolha objetal da filha, uma “ponte” que leva a filha ao seu “substituto”. Bela chega no castelo... Este parece representar neste momento do filme, a entrada de Bela na genitalidade, na vida adulta e independente do pai. Sendo recebida pela Fera, Bela diz que veio procurar o pai dela e, de fato, conforme Freud (1905-1996), a filha procura o próprio pai (inconscientemente) quando “escolhe” seu par amoroso. Fera acusa o pai de Bela de ser um ladrão, pois iria roubar uma rosa do jardim do castelo. Fera aqui nesse momento representa a proteção contra o incesto (FREUD, 1905-1996) pois, a partir de agora, a rosa pertence a ele marido. A rosa aqui, parece estar representando a sexualidade de Bela, antes investida na figura paterna, e agora passará a ser investida no futuro homem de sua vida (sexualidade adulta). Na condição imposta pela Fera – manter na prisão o pai de Bela ou a própria Bela - ele parece regozijar-se perversamente vendo que, além dele, existe outra pessoa que também perdeu sua vida, sua liberdade, e a felicidade. Uma tentativa de resgatar o próprio bem-estar por meio do sofrimento alheio, estratégia psíquica denominada por Klein (1946 apud SEGAL, 1973) de defesa maníaca: exercer controle onipotente e triunfar sobre a dor psicológica. O príncipe demonstra dificuldade de elaboração do luto pela morte da mãe (na sua infância), negando para si mesmo este sentimento de perda. Esta negação (que também é uma estratégia psíquica primitiva) foi fomentada pelo pai do príncipe que o desencorajou de conectar-se com sua tristeza e de enfrentar satisfatoriamente o luto, exigindo que ele fosse indiferente aos sentimentos e arrogante: essa era uma condição para que fosse amado pelo pai. Dessa forma, lidou com a perda da mãe de forma maníaca, gastando com festas e excentricidades, triunfando de forma maníaca para fugir da dor psíquica (SEGAL, 1973). Porém, o vínculo com Bela mobiliza os afetos da Fera, que canta: “Nunca mais eu vou ser livre... O que eu era não sou mais... (Ou seja, não se sente disposto à fuga maníaca de novo), só me resta noite escura...” Nota-se que Fera vem conquistando um funcionamento psíquico mais amadurecido (depressivo, segundo Klein), caracterizado agora pelo sentimento de reconhecimento da importância do outro, pela necessidade de preservar o outro, de reparar danos causados ao outro, além de uma maior tolerância à dor psíquica. Gastão, motivado por um narcisismo ferido (FREUD, 1914-1996) fomenta a comunidade a ir atrás da Fera e destruí-la. A Fera se torna o depositário de tudo o que há de mais repugnante na sociedade (e dentro de cada ser humano): um lado animal e primitivo. Zimerman (1993) refere-se a este fenômeno com o termo bode expiatório. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A Bela e a Fera é uma obra que convida o expectador-leitor à projeção na figura dos personagens, de sentimentos como a inveja infantil, a castração e impotência e as estratégias psíquicas empregadas para lidar com a perda e o luto, oportunizando a conexão com a fera que existe dentro de si mesmo, com aquilo que há de mais selvagem e primitivo na personalidade. A análise desta obra favorece o aprendizado de teorias psicanalíticas de forma descontraída e ao mesmo tempo comprometida com os achados teóricos, contribuindo assim para o trabalho dos profissionais da área da saúde mental e áreas afins.ERIKSON, E. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar, 1968 – 1976. FREUD, S. Um caso de histeria, Três ensaios sobre sexualidade e outros trabalhos. In: Obras Completas de Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol. 7, 1905-1996. FREUD, S. Introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos. In: Obras Completas de Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol.12, 1914-1996. FREUD. S. O mal-estar na civilização. In: Pequena coleção das obras de Freud. Rio de Janeiro: Imago, Livro 8, 1930-1997. LABORATÓRIO DE CONEXÕES INTERMIDIÁTICAS NUCCON (LABCON). A bela e a Fera: uma análise transmídia. Disponível em: www.labcon.fafich.ufmg.br Acesso em 10 de maio de 2022. NANTES, Y. F. S.; PETTENGILL, E. C. F. C. Uma compreensão psicanalítica da obra teatral “O beijo no asfalto” de Nelson Rodrigues. IN: SORDI, A. R.; CRUZ, D. T. O conhecimento científico da Psicologia: diversidades teóricas no Centro Universitário Unigran Capital. São Carlos: Pedro & João Editores, vol. 1, 2021. SEGAL, H. Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago, 1973. ZIMERMAN, D. E. Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1993.
Título do Evento
3º CONIGRAN - Congresso Integrado UNIGRAN Capital 2022
Cidade do Evento
Campo Grande
Título dos Anais do Evento
Anais do 3º CONIGRAN - Congresso Integrado da UNIGRAN Capital 2022.
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

PETTENGILL, Profª. Elaine Cristina da Fonseca C.. UMA LEITURA PSICANALÍTICA DO FILME "A BELA E A FERA"... In: Anais do 3º CONIGRAN - Congresso Integrado da UNIGRAN Capital 2022.. Anais...Campo Grande(MS) Rua Abrão Júlio Rahe, 325, 2022. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/conigran2022/502427-UMA-LEITURA-PSICANALITICA-DO-FILME-A-BELA-E-A-FERA. Acesso em: 08/05/2025

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