Título do Trabalho
NÓS, MULHERES!
Autores
  • Flavia Ferreira da Silva
  • Maria das Graças Gouvêa N Silva
  • Laura Cristina de Toledo Quadros
Modalidade
Mesa redonda
Área temática
2. INCLUSÃO SOCIAL E VISIBILIDADE: 2.4 Olhares para o feminino: sororidade e práticas de empoderamento.
Data de Publicação
23/12/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/cgtrio22/582154-nos-mulheres
ISBN
978-85-5722-491-9
Palavras-Chave
Gestalt-terapia; mulher; corpo; prática clínica
Resumo
A proposta dessa mesa é discutir questões relacionadas a mulheres a partir de suas múltiplas expressões e possibilidades, trazendo autoras feministas contemporâneas que representam a diversidade entrelaçadas a perspectiva gestáltica visando tanto ampliar a discussão acerca desse fenômeno quanto trazer novas interlocuções. Considerando as peculiaridades de nossa prática, atravessar as questões de gênero bem como o sofrimento que elas suscitam nas mulheres nos traz a oportunidade de reconfigurar nosso olhar e nosso fazer na clínica gestáltica. Mulheridade: corpo político bell hooks1 (2020/1981) afirma em sua obra e eu não sou mulher? que mulheres negras percebiam ser difícil se juntar à luta pelos direitos das mulheres, por não verem “mulheridade” como algo a ser levado em conta em sua identidade. Não era possível para as mulheres negras na déc. de 70 encontrarem lugar para sua identidade no movimento de libertação das mulheres [brancas], de acordo com a autora. Algumas pesquisadoras conceituam o termo mulheridade como análogo à feminilidade, porém o que lemos no trabalho de hooks (op. Cit) é uma espécie de construção dessa identidade para além dos conceitos usuais e normativos do que é chamado de mulher. Olhar para a mulheridade como algo importante da identidade trazia um forte simbolismo para a autora, que afirmava que a luta das mulheres negras estava alinhada com a socialização racista, mas também com a socialização sexista com que a cultura nos cerca diariamente na estrutura de poder instaurada. Dessa forma, podemos alargar o conceito de mulheridade para todo corpo que, de alguma forma, tem sua construção de mulheridade colocada em xeque, ou seja, foge aos padrões hegemônicos da heteronorma eurocentrada. Essa maneira de pensar mulheridade está diretamente ligada com o estético-político, como em Alvim (2020), em que uma “perspectiva estético-política implica considerar a carne do social como dimensão invisível, uma rede de estruturas de sentido que ganham visibilidade a partir da expressão, fenômenos da ordem do corpo e do sensível” (p1232), ou seja, a cultura cria uma espécie de ordem social que deve ser cumprida e que, atravessando nossos corpos, nos enrijece neuroticamente, sintomaticamente, dualistamente. Mulheres seriam de um determinado jeito e homens de outro; a autora Letícia Nascimento (2021) ressalta a importância de pluralizar as existências; se não temos como universalizar os sujeitos, por que o fazemos com gênero? Nesse trabalho estou interessada em sinalizar que são exatamente os corpos que fogem à norma, que quebram com a lógica da hegemônica, é que criam as possibilidades de ruptura e abrem espaços de existências plurais. 1Corpos lésbicas, corpos trans, corpos travestis, corpos gordas, corpos putas, corpos, são muitos corpos, todos existem, corpos ditos matáveis, e são de fatos mortos, mas continuam alargando dia após dia o espaço de existência de corpos cis, não só o espaço de existência chamada dissidente. Nem todos esses corpos reivindicam mulheridade como uma categoria analítica ou de identidade, mas neste trabalho estamos pensando nesse recorte, nos corpos que são interseccionados pela identidade mulher/mulhertrans/travesti. A atriz Renata Carvalho (2021) em sua obra – peça/livro – Manifesto Transpofágico relata que ela se pariu, e que em seu processo de nascimento parece ter surgido um monstro, que chega antes, impregna o imaginário das pessoas. Um corpo que é público antes mesmo de ser privado, uma vez que passa por esse imaginário sociopolítico, antes mesmo de ser parido por ela. Corpo atravessado por uma série de construções que escapam à presença dela, a atriz afirma: “aquilo que não se fala passa a não existir” (p.20), mas é curioso, porque parece que há também muitas coisas nesses corpos políticos que não existem, mas são ditas e com isso começam a existir. Como por exemplo, a periculosidade constante das travestis, a hipersexualidade da mulher negra, a correção das lésbicas por meio do estupro, corpos que insistem com suas existências não hegemônicas e que gritam sua presença abrindo espaço para que todo corpo possa existir. A cada dia com preço mais alto, muitas vezes com suas vidas! 1 bel hooks grafa seu nome com letras minúsculas propositalmente. A autora pretende dar enfoque ao conteúdo de sua escrita, que é marcada pela retomada de um feminismo sob a perspectiva de uma mulher negra, na busca de um lugar no movimento feminista. hooks não só percebe que não há tal lugar, como volta seu trabalho para a busca da identidade da mulher negra como aspecto importante na construção da chamada mulheridade. Por esse motivo a autora tem como objetivo não se manter em uma identidade particular, mas estar em permanente movimento em suas obras e em seu pensamento. 2 O erro gramatical cometido aqui trata-se de uma disruptividade linguística que chama atenção para marcação de gênero em na língua portuguesa. Mulher ao espelho Corpo feminino e a relação com o capitalismo – reflexões críticas de uma Gestalt-terapeuta O presente trabalho faz uma articulação entre as vivências de pacientes mulheres, narradas a uma Gestalt-terapeuta, e as contribuições das pensadoras feministas Silvia Federici e bell hooks a respeito da domesticação dos corpos femininos e da formação das narrativas que servem para a deterioração do amor-próprio. Todas as pacientes, de diferentes idades, negras e não negras, apresentam em comum, o que é descrito aqui como “um olhar de ódio a si mesmas”, o que levanta o questionamento sobre como e ao que ser mulher as submete. As contribuições de Federici partem da obra “Calibã e a Bruxa” (2017), que discorre a respeito da construção do sujeito contemporâneo, em especial do processo através do qual a dominação do corpo feminino constitui a identidade feminina, e de que modo isso vem a servir às bases do capitalismo. Em seu estudo, Federici reconstrói a origem do trabalho doméstico, firmado na divisão entre produção e procriação, o que gera uma assimetria na construção das identidades de gênero dos sujeitos. Tal assimetria serve muitas vezes como justificativa para desigualdades e violência contra as mulheres. Quanto a bell hooks, as reflexões levantadas neste texto se baseiam em sua obra “Olhares Negros – raça e representação” (2019), na qual são analisados produtos e dispositivos culturais com o objetivo de compreender a formação da subjetividade de pessoas negras e a branquitude. hooks analisa como o legado de militantes negras foi apropriado e distorcido pela indústria cultural, que serve ao desenvolvimento da representação hegemônica de um sujeito, e para o qual o olhar tem grande importância. Uma vez que a imagem tem função uma ideológica, e é através dela que as pessoas negras aprendem a se identificar com imagens odiosas de si mesmas. Ainda que as narrativas que se constituem para deteriorar o amor-próprio de mulheres negras seja diferente daquelas constituídas para as mulheres brancas, destaca-se com este trabalho um elo em comum, que pode promover a construção de uma pauta que zele pelos direitos de todas as mulheres, visto que os corpos femininos são os mais violentados da história, há muito tempo. Concluindo notamos que o empoderamento econômico não é o suficiente para que mulheres possam sair de situações de violência doméstica. A visão estritamente econômica de empoderamento é simplista, não se aprofunda o suficiente na compreensão das estruturas de dominação de gênero que moldam os comportamentos individuais baseados nos papeis sociais e nas instituições em que esses papeis são desempenhados, como o casamento e a família. A Gestalt-terapia, entretanto, oferece ferramentas para um aprofundamento desse olhar, o que pode promover melhor compreensão desses processos sociais. Afinal, o que podem as mulheres? Reavivando marcas apagadas para uma clínica gestáltica no feminino A pergunta “Afinal, o que querem as mulheres?” formulada por Sigmund Freud a partir de seus estudos de casos clínicos com mulheres as aponta quase como um enigma a ser decifrado. Os estudos freudianos, embora repletos de genialidade, refletem uma sociedade patriarcal, de poucas oportunidades para mulheres além do destino doméstico, desdobrando o sofrimento feminino pelo viés da falta. Não pretendemos adentrar pela seara psicanalítica e, se destacamos aqui essa referência, é para iluminar um nicho o qual abrange um dos pontos de partida de um modelo clínico que, ao nosso ver, minimiza a potência feminina e encolhe suas possibilidades muitas vezes restrita a maternidade e ao lar. Simone de Beauvoir(1980) ao proferir a célebre frase “Não se nasce mulher, torna-se mulher” descortina toda uma conduta derivada de pressões sociais que determinam lugares e formas de configuração do feminino. A frase, fundada na premissa existencialista sartreana de que a existência precede a essência, traz uma importante provocação que inspira os movimentos feministas: a condição feminina não é uma determinação meramente biológica, mas sobretudo é um processo de subjetivação que vai acontecendo a partir também das experiências vividas, expectativas e estruturas sociais. Compreendemos que mulheres não são passivas e ao longo da história recalcitraram, resistiram e também transgrediram. Isabelle Stengers (1989) nos fala de um fazer ciência opondo a ideia de um cientista “caçador de matilha” que opera pelo princípio da rapidez e das generalizações, ao do “caçador solitário” que está presente disposto a esperar, a conhecer o tempo e as singularidades do outro. Esse modo nomeado como solitário é o que ela afirma como uma “ciência no feminino”. Segundo a autora, tal denominação não se restringe a questão de gênero, mas sim a processos e procedimentos que envolvem o pesquisar. Se tomarmos a trajetória da psicologia enquanto ciência, constatamos a exclusão como uma de suas marcas, incluindo a exclusão de mulheres como participantes legítimas na construção do saber. Em relação as mulheres na psicologia, Duane e Sidney Ellen Schultz destacam as dificuldades por elas enfrentadas sobretudo no mundo acadêmico com dificuldades de assumir cargos e receber fomentos. A prática clínica era considerada um trabalho menor, equivalente ao trabalho doméstico e era para onde muitas mulheres atuavam, inclusive pelas dificuldades em outros campos. A clínica convoca uma expertise que vem nesse rastro que Stengers chama de “ciência no feminino”. A clínica gestáltica, em especial, destaca com intensidade marcas de um fazer no feminino tanto através do resgate da dimensão sensível da experiência, quanto nos modos de transgredir ao que é estabelecido e resistir as opressões. Compreendo a clínica como uma artesania e recorro a Laura Perls (1977) que nos diz da delicadeza de construirmos nosso estilo próprio enquanto terapeutas apoiando-nos no que experienciamos ao longo da vida, o que constitui nossos recursos para intervenção. O fazer gestáltico reconhecido aqui como um fazer no feminino é um fazer artesanal, tecido no cotidiano (QUADROS;2021). Buscaremos reavivar as marcas que o constitui, a partir também de uma reformulação da clássica pergunta freudiana. Nesse sentido, considero que a melhor pergunta não é o que as mulheres querem, mas o que elas podem? Poder aqui afirmado como potência, como retomada de lugar, como protagonismo de uma jornada atualizada.
Título do Evento
VIII Congresso de Gestalt-terapia do Estado de Rio de Janeiro
Cidade do Evento
Rio de Janeiro
Título dos Anais do Evento
Anais do Congresso de Gestalt-terapia do Estado do Rio de Janeiro: existências anônimas - a Gestalt-terapia ocupando espaços de resistência
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

SILVA, Flavia Ferreira da; SILVA, Maria das Graças Gouvêa N; TOLEDO QUADROS, Laura Cristina de. NÓS, MULHERES!.. In: Anais do Congresso de Gestalt-terapia do Estado do Rio de Janeiro: existências anônimas - a Gestalt-terapia ocupando espaços de resistência. Anais...Rio de Janeiro(RJ) Hotel Windsor Guanabara, 2022. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/CGTRIO22/582154-NOS-MULHERES. Acesso em: 05/06/2025

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