A CORPOREIDADE, O ENCONTRO COM O OUTRO E O CARÁTER TRANSGRESSOR DA ABORDAGEM GESTÁLTICA: CUIDADO E SUPORTE COMO FUNDO NECESSÁRIO PARA A PRÁTICA CLÍNICA E A FORMAÇÃO PSICOTERAPÊUTICA

Publicado em 23/12/2022 - ISBN: 978-85-5722-491-9

Título do Trabalho
A CORPOREIDADE, O ENCONTRO COM O OUTRO E O CARÁTER TRANSGRESSOR DA ABORDAGEM GESTÁLTICA: CUIDADO E SUPORTE COMO FUNDO NECESSÁRIO PARA A PRÁTICA CLÍNICA E A FORMAÇÃO PSICOTERAPÊUTICA
Autores
  • Rafael de Oliveira Lins
  • Thatiana Caputo Domingues da Silva
  • Carla do Eirado
Modalidade
Mesa redonda
Área temática
4. ARTE, CORPO E EXPERIMENTAÇÕES: 4.2 Experimentação em Gestalt-terapia: a sutileza no encontro.
Data de Publicação
23/12/2022
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/cgtrio22/522643-a-corporeidade-o-encontro-com-o-outro-e-o-carater-transgressor-da-abordagem-gestaltica---cuidado-e-suporte-como-
ISBN
978-85-5722-491-9
Palavras-Chave
Transgressão; suporte; alteridade; clínica; formação
Resumo
Em Gestalt-terapia, uma das noções centrais é a de “ajustamento criativo” ou “ajustamento criador”. No cerne dessa proposição estão alguns pressupostos, como o fato de que somos seres em relação com um mundo que se apresenta para nós ambiguamente como possibilidade expansiva de nossa motricidade e como limite. Ao mesmo tempo, a ideia de ajustamento criador se manifesta como uma dialética que exige de nós um trabalho de lidar com esse mundo que nos apresenta como campo de “invenção-e-descoberta”. É nesse contexto que compreendemos a transgressão como modo de re-tomar o mundo dado para inventar-e-descobrir novos mundos possíveis. Essa tarefa é urgente, em especial para as existências invisibilizadas pelo statuos quo, o que exige de um gestalt-terapeuta não apenas abertura admirativa, mas uma certa apreensão do mundo e das exclusões e violências que se manifestam nesse campo que é sócio-cultural. Diante desse cenário, esta mesa-redonda pretende pensar o lugar do Gestalt-terapeuta, engajado na situação contemporânea, que fomenta as dissidências no seu fazer clínico sem renunciar ao cuidado necessário à vida. A transgressão brota do suporte: entendidos e mal-entendidos a respeito do fazer clínico e das técnicas em Gestalt-terapia Em fala transcrita no texto Entendidos e Mal-entendidos da Gestalt-terapia, Laura Perls discute o lugar da técnica na abordagem, marcando um contexto histórico onde ela era apresentada em workshops que produziam efeitos catárticos em quem participava. Diante disso, ela afirma que o trabalho em terapia, antes de ser catarse, é desenvolver suporte suficiente para reconfiguração do campo organismo/ambiente. É em situação de suporte que se faz possível o contato pleno para que se invente-e-descubra formas vivas de ser no mundo. Aqui é importante que se compreenda que a Gestalt-terapia é uma abordagem de campo, não individualista. Da mesma forma que a neurose brota de um campo que se apresenta repetida ou intensamente como perigo ou como escassez de possibilidades, a transgressão dos instituídos (no contemporâneo, destacamos a lógica de produtividade, as limitações por gênero, raça, idade, sexualidade) também é uma necessidade que brota espontaneamente desse campo, que está tensionado por forças violentas e aniquiladoras da diferença. Diante disso, pensar em saúde e prática clínica numa perspectiva gestáltica faz com que seja necessário pensá-las em situação. A situação é justamente essa configuração de elementos presentes no campo organismo/ambiente aqui-agora: uma rede de vetores em constante transformação desenhando gestalten complexas demais para serem reduzidas a estruturas formulaicas de causalidade. Essas gestalten que compõem a situação incluem terapeuta e cliente, suas histórias, suas crenças, seus modos particulares de ver, apreender e dar sentido ao que experienciam, as dimensões físicas e fisiológicas, e os elementos culturais, religiosos, políticos, transgeracionais desse tempo histórico que estamos. Portanto, pensar em uma prática clínica em situação é incluir e acolher em nosso corpo essas tensões e deixá-las se fazerem presentes na compreensão e na condução dos casos que acompanhamos. Vale reafirmar que, nesse campo, o gestalt-terapeuta não pode ser considerado neutro, nem pretender buscar uma atitude neutra ou apolítica. Então cabe refletir sobre o que pode um terapeuta nesse campo, que função tem suas intervenções, os experimentos que propõe, as técnicas que utiliza, isto é, para qual sentido elas apontam. Retomamos a discussão proposta por Laura Perls para discriminar intervenções terapêuticas que tem fim “produtivo”, mas que não nascem de uma relação de cuidado entre terapeuta e paciente, antes se sustentam, como apontado na discussão heideggeriana sobre a técnica, numa relação de dominação, onde quem propõe a técnica busca extrair do outro (ou da natureza) um produto ou resultado. Essa lógica de produtividade também é elemento presente nos discursos contemporâneos e implica uma relação de objetificação daquilo que é outro (seja a terra, seja o próprio corpo, seja um paciente), que é despido de sua dimensão de humanidade e se torna apenas meio para determinado fim. Portanto, de modo semelhante à proposição de Laura Perls, compreendemos que a transgressão e a afirmação das existências invisibilizadas antes de serem um fim do processo terapêutico e de nossas técnicas é antes de mais nada um efeito da construção de uma situação de suporte em terapia, que trata o cliente não como “algo/alguém a ser consertado”, mas busca estabelecer uma relação horizontal, dialógica, e que afirma sua dignidade e humanidade, mesmo quando os modos de vida que o cliente apresenta vão de encontro ao desejo do terapeuta. A alteridade como fundo de uma clínica transgressora - entre identidade e diferença / ruptura e suporte. A Gestalt-terapia apresenta como uma de suas bases fundamentais a noção de relação para pensar seu trabalho clínico. Mantendo seu foco na relação terapeuta-paciente/cliente - no campo psicoterapêutico - no lugar de centrar seu trabalho na técnica, no indivíduo, no inconsciente, etc. Partindo dessa compreensão, esse trabalho pretende, no diálogo com a fenomenologia de Merleau Ponty, se aprofundar no conceito de alteridade como forma de fundamentar o caráter transgressor da teoria e da prática gestáltica. Entendendo a relação eu/outro como constituída de semelhanças e diferenças. Isto é, o encontro com aquele que ao mesmo tempo é um outro eu mesmo e também é aquele que se difere de mim, situação que mantém uma contínua tensão entre identidades e diferenças. Outrem, portanto, se apresenta de forma dupla: como um outro eu, um outro corpo sensível como eu, que na minha percepção é meu semelhante e mantém comigo certa contiguidade, tem certa relação geral com o ser, me aparece como variação de uma mesma dimensão comum. No entanto, por ser outro, em algum momento irá me surpreender, irá se dirigir às coisas do mundo com um estilo próprio, diferente e expressivo e fará uma torção das significações comuns do mundo, me descentrando e desequilibrando. Logo, este não se resume a uma pura semelhança, mas também se revela como mistério. Este outro que se mostra desconhecido, estranho, que não tenho como prever, me revela o próprio mistério que sou para mim. A presença de um outro é uma apreensão global, que realizamos a partir de nossa percepção intercorporal, e não puramente racional e pensante. Antes, eu sinto e experiencio a presença de um outro corpo, depois posso pensá-lo, refletir a respeito deste. Se invertermos essa ordem corremos o risco de perdermos a possibilidade de nos encontrarmos com esse outro e apenas nos relacionarmos com algum pré-conceito, representação, como uma imagem espectral daquele. Trazemos, assim, para primeiro plano do método terapêutico, a relação terapeuta-cliente e o contato concreto na terapia como experimentação em presença, onde a dimensão sensível, a corporeidade, é suporte para a experiência de alteridade – entendida como experiência de pertencimento e de descentramento. Quando nos encontramos com as diferenças do outro e sustentamos um diálogo que as preserva, o que se produz são afetações mútuas, reverberações no campo, onde a alteridade nos convida a novas possibilidades de ser, a transgredir nossos sentidos já instituídos e criar novos. Entende-se a partir daí que uma clínica que se pretende transgressora é aquela que está atenta às afetações do campo, que confia e aposta na potência do encontro como geradora de desvio, como invenção e criação de novos possíveis. Acreditamos, portanto, que esta clínica não busca deliberadamente uma ruptura, ou transgressão como produto, mas que não poderá se esquivar dela, pois esta é por si só o efeito de sua prática. O olhar dialógico presente na fundação da Gestalt-terapia carrega consigo a construção de um campo de encontro Eu-Tu, que fala da manutenção das diferenças, construindo uma união que não se pretende reunião do alter ao uno, que não achata as incompatibilidades, mas gera afetações. Este cuidado e atenção no acolhimento da diferença fomenta um campo de suporte onde se pode ser quem se é: o que dá abertura para se poder ser outros, derivar. Como o poeta Leminski nos aponta: “Isso de ser exatamente o que se é ainda vai nos levar além”. Portanto, o ato mais transformador, mais transgressor que podemos realizar é abrir espaço para que se possa aparecer o ser, nos colocarmos à disposição de um encontro que abrace o desconhecido no outro e em si mesmo. Onde o campo de pertencimento se dê, a partir do acolhimento do que diverge e não a partir, apenas, das identificações e semelhanças. O papel do trabalho corporal na formação dos novos gestalt-terapeutas: depoimentos sensíveis dos graduandos de uma universidade particular da baixada fluminense. Sabemos que a Gestalt-terapia é uma perspectiva clínica de visão, compreensão e ação inspirada diretamente na tradição fenomenológica e no paradigma organísmico de Kurt Goldstein. A respeito da estrutura da experiência humana, partimos do entendimento que somos integralidade de um campo relacional que engloba as dimensões pessoal, interpessoal, situacional e, também, ambiental. A noção de campo organismo/ambiente traz uma ênfase na compreensão do ser como fluxo contínuo de experiências marcadas por um imbricamento no mundo sempre orientado por uma dialética específica, ou seja, não podemos ser sem nos constituirmos dialogicamente com tudo e todos. A experiência do ser-no-mundo só é possível se compreendida pela sua capacidade e disponibilidade ao encontro. Para sermos, irremediavelmente, o seremos através desta abertura fundamental que envolve acima de tudo a possibilidade do contato. Contactar não é algo passível de ser remediado, mas é condição essencial da existência. A noção de contato implica um constante movimento de desequilíbrio e reequilibração de modo que, deste movimentar constante que agride e transgride o instituído vamos nos ajustando criativamente (ou não) em direção à uma ampliação (ou estagnação) de novas (ou velhas) formas de sentidos de ser. Sendo assim, podemos reconhecer o sentido da existência como nascente do contato pré-reflexivo do corpo no mundo com os outros, sendo essa dimensão da corporeidade vivida nossa via de acesso, descoberta, criação, construção e posse do reconhecimento singular de si, da alteridade e do mundo. Ao olharmos para a formação e o fazer clínico não podemos nos desvencilhar desta compreensão movente do existir, isto é, como processo incessante de formação de formas (gestaltung), fluxo de movimentos dado num campo existencial compartilhado onde os critérios de saúde envolvem plasticidade, ritmo e vigor; parâmetros estéticos que guiam o olhar clínico do terapeuta. Faz-se fundamental trabalhar a corporeidade em sua dimensão sensível-experiencial, tanto aquela do gestalt-terapeuta em seu processo de formação profissional quanto a do paciente/cliente na relação terapêutica. Percebemos, na contemporaneidade, a intensificação cada vez maior de modos de estar no mundo no qual a dimensão sensível corporal encontra-se limitada, amortecida, negligenciada. A este fenômeno contemporâneo nomeamos dessensibilização corporal - a perda gradual da capacidade de sentir. Em nossos estudos percebemos alguns fatores que sustentam a emergência da dessensibilização corporal como algo naturalizado e bastante presente no cotidiano das sociedades contemporâneas urbanas, principalmente. São eles: a sujeição à vida pautada na lógica econômica capitalista de manejo e controle radical da natureza e do corpo; as intolerâncias e o não acolhimento da diferença; a predominância dos saberes cientificistas e tecnológicos oriundos da hegemonia do pensamento cartesiano predominantemente racional, dicotômico; a cisão mente-corpo e as lógicas de submissão e objetificação dos corpos. Nesta fala buscaremos apresentar e discutir a importância de se preservar e manter vivo o caráter transdisciplinar da abordagem na formação dos novos gestalt-terapeutas. Traremos alguns depoimentos das experiências de formação teórica e prática de graduandos e supervisionados da disciplina e do estágio em Gestalt-terapia do curso de psicologia de uma universidade particular da baixada fluminense que se fundamentou no diálogo criativo com a sabedoria ancestral dos povos da terra, a visão budista e o papel fundamental da corporeidade, oriunda do campo da dança contemporânea e do Método Angel Vianna de conscientização pelo movimento e jogos corporais, como solo fértil de reinvenção de si na possibilidade do próprio encontrar com a alteridade, transgredindo as lógicas hegemônicas adoecedoras contemporâneas e abrindo espaço interno e externo para que as diversas formas de existências encontrem vias de legitimação e fortalecimento.
Título do Evento
VIII Congresso de Gestalt-terapia do Estado de Rio de Janeiro
Cidade do Evento
Rio de Janeiro
Título dos Anais do Evento
Anais do Congresso de Gestalt-terapia do Estado do Rio de Janeiro: existências anônimas - a Gestalt-terapia ocupando espaços de resistência
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

LINS, Rafael de Oliveira; SILVA, Thatiana Caputo Domingues da; EIRADO, Carla do. A CORPOREIDADE, O ENCONTRO COM O OUTRO E O CARÁTER TRANSGRESSOR DA ABORDAGEM GESTÁLTICA: CUIDADO E SUPORTE COMO FUNDO NECESSÁRIO PARA A PRÁTICA CLÍNICA E A FORMAÇÃO PSICOTERAPÊUTICA.. In: Anais do Congresso de Gestalt-terapia do Estado do Rio de Janeiro: existências anônimas - a Gestalt-terapia ocupando espaços de resistência. Anais...Rio de Janeiro(RJ) Hotel Windsor Guanabara, 2022. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/CGTRIO22/522643-A-CORPOREIDADE-O-ENCONTRO-COM-O-OUTRO-E-O-CARATER-TRANSGRESSOR-DA-ABORDAGEM-GESTALTICA---CUIDADO-E-SUPORTE-COMO-. Acesso em: 15/08/2025

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