Em 1997, Gilberto Gil — para quem o
existencialismo foi uma influência importante — lançou a canção Pela Internet, revelando um novo
vocabulário que já havia entrado na ordem do dia: “Criar meu website, fazer
minha homepage. Com quantos gigabytes se faz uma jangada e um barco que
veleje?”. Onze anos depois, atento às transformações sociais, Gil atualizou sua
composição em Pela Internet 2: o
website e a homepage já haviam sido criados com módicos cinco gigabytes, mas
agora precisavam ser renovados em terabytes, “que não acaba mais por mais que
se deseje”, em um mundo já atravessado pela lógica do novo capital — “as criptomoedas,
bitcoins e tais”. Até a canção, agora, precisava ser pensada para uma
disponibilidade imediata no virtual. A consequência? “Estou preso na rede que
nem peixe pescado”.
Nesse cenário, a subjetividade é convocada a se
reinventar constantemente diante de redes sociais, plataformas digitais e
moedas virtuais, que não apenas mediam relações, mas também constroem novas
formas de reconhecimento e apagamento do outro. Pescamos e somos pescados nessa
rede, que se faz presente em nosso cotidiano: seja no atendimento psicoterápico
mediado pela tecnologia; nos usuários de serviços de cuidado, que outrora nos
contavam as brigas que tiveram e hoje nos enviam todos os áudios da discussão;
no registro documental online de tantos trabalhos com dados sensíveis; nos
assédios do capital pela educação remota; na hibridização dos corpos, tantas
vezes mediados por dispositivos; nas perdas de vagas no mercado de trabalho
diante da automatização e, mais recentemente, da inteligência artificial, para
citar alguns exemplos. Nesse sentido, é importante pensarmos sobre como a
articulação entre subjetividades e tecnologia, se por um lado abre
possibilidade de (re)invenção da vida, abre também espaço para desigualdade,
segregação e sofrimento, o que exige uma reflexão ética urgente.
A ética, nesse contexto, é ainda mais afinada
como o existencialismo, naquilo que ele nos convoca a tomá-la não como um
conjunto de normas fixas, mas como exercício contínuo de responsabilidade
diante da alteridade, da imprevisibilidade e da situação concreta. As práticas
psicológicas, filosóficas, educacionais e sociais são atravessadas por essas
tensões, que desafiam a liberdade. A luta entre singularização e serialização,
entre o reconhecimento do outro e sua captura pelo mesmo, aparece como uma questão
central para as ciências humanas hoje. Diante disso, o que temos feito?
Se vivemos um tempo em que novas formas de
dominação, vigilância e exclusão se intensificam, ao mesmo tempo somos o ser
que é condenado a ter de ser, a se (re)inventar. Como nos lembra Sartre na Apresentação de Les Temps Modernes, “não fazemos o que queremos, e, no entanto,
somos responsáveis por aquilo que somos”. Além da ética, a dimensão política
também se torna ainda mais urgente, compreendida como invenção e
responsabilidade coletiva, permanecendo como espaço de construção de
alternativas emancipatórias, de abertura à solidariedade e ao futuro.
É neste espírito que propomos o tema do V
Congresso Internacional sobre Sartre (CONINSAR): "Existencialismo Hoje: Subjetividade, Ética, Política e
Tecnologia". Entendemos que tais desafios não são meramente
conjunturais, mas dizem respeito à própria condição humana na
contemporaneidade. Apostamos na potência crítica e inventiva do existencialismo
de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir para problematizar essas questões,
dialogando com campos como a clínica psicológica, a filosofia, as ciências
sociais e as humanidades de maneira ampla e transversal.
Ao mencionarmos aqui, de modo explícito, o nome
de Simone de Beauvoir, reiteramos a centralidade de sua obra para os debates
existencialistas que o CONINSAR tem acolhido desde suas primeiras edições.
Embora o nome do congresso traga apenas Sartre, Beauvoir sempre foi e continua
sendo uma interlocutora fundamental em nosso espaço, com participação
expressiva nas conferências, mesas redondas e sessões coordenadas. Assim,
trabalhos focados em suas obras são sempre muito bem-vindos!
Celebramos, ainda, uma mudança significativa:
esta edição passa a se chamar Congresso Internacional sobre Sartre (CONINSAR),
reconhecendo o crescimento do evento em número de participantes, em diversidade
de temas e em alcance internacional. O CONINSAR consolida-se como espaço de
encontro, escuta e produção coletiva, em que o existencialismo não é apenas
objeto de estudo, mas dispositivo crítico para a construção de futuros mais
justos, sensíveis e solidários.
Sejam todas/es/os bem-vindas/es/os à quinta
edição do Congresso Internacional sobre Sartre!
Breve
Histórico do Evento
O Congresso Internacional sobre Sartre é evento
acadêmico que visa o fortalecimento de redes de estudo e pesquisa no
existencialismo, que teve como ponto de partida o Colóquio Sartre – 110 Anos – Sartre e a contemporaneidade,
realizado em 26 de junho de 2015, por professoras do Departamento de Psicologia
da Universidade Federal de Santa Catarina. Contou com um público em média de
120 participantes e uma característica mais regional, com participantes
advindos principalmente de Santa Catarina.
A próxima edição, então chamada de I Colóquio Internacional sobre Sartre,
ganhou um espectro territorial mais amplo e um caráter internacional, tendo
ocorrido entre 04 a 06 de setembro de 2018, também na UFSC. Envolveu cerca de
200 pesquisadoras/es, professoras/es e estudantes de várias universidades
brasileiras que se fizeram presentes nas mesas redondas, conferências e sessões
regionais, bem como convidadas/os internacionais, especialistas na obra de
Sartre, de Portugal, França, Bélgica e de alguns países latino-americanos,
inaugurando a nova série de eventos, definido como I Colóquio
Internacional sobre Sartre, com o tema “O existencialismo como fundamento
crítico para tempos de crise social".
O II
Colóquio Internacional sobre Sartre, com o tema “Interseccionalidades na
compreensão do sujeito contemporâneo”, ocorreu no ano seguinte, organizado por
professoras do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM), com a colaboração do GT
de Filosofia Francesa Contemporânea da ANPOF (Associação Nacional de
Pós-Graduação em Filosofia). O evento ocorreu em 30 de setembro, 01 e 02 de
outubro de 2019, envolvendo 334 pessoas, entre acadêmicas/os, docentes e
pesquisadoras/es de diversas Instituições do Brasil, Portugal e Colômbia.
O III
Colóquio Internacional sobre Sartre, cujo tema foi “Virtualidade, pandemia
e suas repercussões ético-políticas” ocorreu entre os dias 19 a 21 de outubro
de 2022, na PUC-Rio, Gávea, Rio de Janeiro, um dos primeiros eventos
científicos presenciais pós-pandemia, por isso, com menor publico
Já o IV
Colóquio Internacional sobre Sartre retornou à instituição em que o
Colóquio nasceu, a Universidade Federal de Santa Catarina, tendo sido realizado
de 6 a 8 de novembro de 2024. O tema desta edição foi “Situações
contemporâneas: rupturas sociais, sofrimento e engajamento”, tendo sido organizado
por professores do PSICLIN - Departamento de Psicologia da UFSC. O IV Colinsar
foi a maior edição já realizada do Colóquio, reunindo, nos três dias de evento,
um total de 377 pessoas, e mais de 60 trabalhos apresentados em sessões
coordenadas.
Dado este histórico dos eventos anteriores, que
evidenciam não apenas o crescimento no número de participantes, mas também o
amadurecimento da proposta, da articulação interinstitucional e da complexidade
da programação acadêmica, a Comissão Internacional de pesquisadores/as que
organiza o evento entendeu ser o momento oportuno para assumirmos, também em
nossa nomenclatura, a envergadura que esse encontro acadêmico conquistou ao
longo dos anos.
A transição de "Colóquio" para Congresso Internacional sobre Sartre
(CONINSAR) simboliza esse novo patamar: reconhece-se, com isso, a
consolidação do evento como um espaço de referência nacional e internacional
para os estudos sartrianos e existencialistas em suas interfaces com a
psicologia, a filosofia, a arte, a educação, a política, os direitos humanos,
entre outros campos.
Mais do que uma mudança formal, trata-se de um
gesto simbólico e político, que reafirma o compromisso com o aprofundamento dos
debates, com a ampliação das redes de pesquisa e com o fortalecimento do
pensamento crítico diante dos desafios do presente. O CONINSAR nasce, assim,
como continuidade e renovação: herdeiro da trajetória construída desde 2015 e,
ao mesmo tempo, marco de um novo ciclo de encontros, que pretende seguir
ampliando pontes entre pesquisadoras/es, estudantes e profissionais interessadas/os
nas múltiplas possibilidades abertas pelo pensamento existencialista.
Celebramos, portanto, esta mudança como uma
conquista coletiva e um novo passo em direção à consolidação de um campo vivo,
plural e comprometido com a liberdade, a responsabilidade e a transformação.
O V Congresso Internacional sobre Sartre, que
tem por tema “Existencialismo Hoje: Subjetividade, Ética, Política e
Tecnologia”, será realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro nos
dias 13, 14 e 15 de maio de 2026. Esperamos alcançar um público de 300 pessoas
e uma estrutura que reflita a consolidação do CONINSAR no cenário internacional
de diálogos sobre o existencialismo.