Durante muito tempo as Universidades foram espaços privilegiados para a formação profissional dos grupos sociais mais favorecidos da sociedade brasileira. Apenas depois da reforma universitária do final da década de 1990 e início dos anos 2000, é que passaram a exercer o papel de promoção do desenvolvimento social e econômico, mediante a gestão democrática, a valorização docente e a garantia da igualdade de oportunidades entre os discentes. Hoje, as Universidades são autarquias públicas que gozam de relativa autonomia administrativa e desenvolvem atividades de ensino, pesquisa e extensão, visando sempre a transformação da sociedade no sentido de uma maior justiça social. Trata-se de espaços públicos e democráticos que são administrados de modo a acolher pessoas oriundas de diferentes contextos sociais, oportunizando o aprendizado, a formação superior, a vida acadêmica e o acesso aos serviços oferecidos.
A partir de meados dos anos 2000, o governo federal promoveu uma importante expansão do ensino superior e técnico no Brasil, com a criação de novas Universidades, Institutos federais e campi universitários no interior do território brasileiro. O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), instituído pelo Decreto nº 6.096/2007, ajudou a ampliar substancialmente a quantidade de vagas nas Universidades, contribuindo com a democratização e a massificação do ensino superior e tecnológico. Depois, com o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), instituído pelo Decreto 7.234/2010, buscou-se viabilizar a igualdade de oportunidades, colaborando com a melhoria do desempenho acadêmico de grupos historicamente desfavorecidos.
O Sistema de Seleção Unificada (SiSU) simplificou o ingresso nas Universidades, aumentando o número de matrículas. Depois, com a Lei de Cotas (Lei Nº 12.711/2012), a população negra e pobre, historicamente excluída do ensino superior, teve garantido seu ingresso nas Universidade e Institutos Federais mediante reserva de até 50% das vagas. Contudo, em que pese o ingresso crescente de pobres, mulheres, negros e indígenas, a referida massificação tem sido marcada por uma “inclusão excludente”, uma vez que os estudantes ainda enfrentam dificuldades materiais e acadêmicas, muitas das quais relacionadas à sua formação inicial e ao seu capital cultural e econômico.
O Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/14) estabeleceu como uma de suas metas a elevação da taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e da taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos. Para tanto, propôs: ampliar as políticas de inclusão e de assistência estudantil; e reduzir as desigualdades étnico-raciais, ampliando a participação proporcional de grupos historicamente desfavorecidos na educação superior. Não obstante os programas de expansão e a oferta de auxílios e bolsas que objetivam a permanência, a diferença entre o número de ingressantes e de concluintes continua grande. Muitos alunos não encontram o devido acolhimento e acompanhamento pela instituição, o que os leva a desistência. A taxa média de evasão das Universidades Federais tem sido de 15% em média desde o REUNI.
O quadro acima descrito foi claramente agravado desde o golpe midiático-parlamentar de 2016, que impôs sem qualquer legitimidade democrática uma agenda neoliberal de cortes crescentes nos recursos destinados às Universidades. O governo Bolsonaro, que deixou claro não ter qualquer apreço pela educação, tem feito ataques sistemáticos desde 2019 à Universidade e Instituto Federais, promovendo o estrangulamento financeiro e a interrupção de algumas de suas atividades. Por fim, a crise sanitária decorrente da pandemia da COVID-19, mudou radicalmente a dinâmica universitária, introduzindo sem muita discussão e preparo prévio o ensino remoto. As Universidades continuam sendo atacadas e suas atividades têm sido notadamente precarizadas desde então. Mas elas resistem!
A vitória eleitoral de Luís Inácio Lula da Silva neste último pleito eleitoral, numa coalizão construída em defesa da democracia, abre perspectivas para a retomada da valorização da educação e da democratização da Universidade. Está claro que a simples expansão e massificação não esgota o projeto de democratização do ensino superior, pois é necessário também ampliar e qualificar os instrumentos que garantam a inclusão e a permanência dos estudantes em sua diversidade. Sem isso, não se pode ter o que chamamos de “Letramento acadêmico”, que diz respeito ao uso competente da leitura e da escrita em contextos e práticas sociais voltadas ao aprendizado, produção e divulgação do conhecimento científico, isto é, a todas as atividades típicas do ambiente universitário.
Pretendemos dizer que, para além de simplesmente inserir indivíduos no mundo acadêmico e formá-los para o mercado de trabalho, a Universidade tem o dever de acolher esses indivíduos em sua diversidade, e torná-los capazes de se apropriar plena e ativamente do meio acadêmico, formando-os não apenas para o mercado de trabalho, mas para a transformação da realidade social de onde vieram.
Atentos à função social da Universidade, e cientes de que teremos pela frente um longo caminho de reconstrução do país, acreditamos que é necessário voltar a discutir todas as garantias e avanços custosa e democraticamente tecidos em favor de uma educação pública, gratuita, laica e de qualidade. Por isso é que realizaremos neste ano de 2022 a nona edição do Simpósio Letramentos para a Cidadania. Nosso objetivo é voltar a debater a democratização das Universidades, de modo que se tornem cada vez mais um espaço de todes, todas e todos.