Primeira Semana de Estudos Africanos da Faculdade de Letras da UFJF e Primeiro congresso internacional Afrofonia: literatura, ensino e pensamento 100 anos de FRANTZ FANON

Primeira Semana de Estudos Africanos da Faculdade de Letras da UFJF e Primeiro congresso internacional Afrofonia: literatura, ensino e pensamento 100 anos de FRANTZ FANON

online Faculdade de Letras UFJF - Juiz de Fora - Minas Gerais - Brasil
presencial Com transmissão online

A “Primeira Semana de Estudos Africanos da Faculdade de Letras da UFJF e o I.º Congresso Internacional Afrofonia: literatura, ensino e pensamento - edição 100 anos de Frantz Fanon” nasceram a partir da convergência de pesquisas sobre as literaturas africanas e suas diásporas, de docentes vinculados ao programa de pós-graduação PROFLETRAS - Mestrado profissional em Letras da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora e ao Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora. O congresso tem como propósito congregar professores universitários, pesquisadores e estudiosos de Literaturas Africanas e suas diásporas, a fim de divulgar as pesquisas acadêmicas e, também, aquelas aplicadas ao ensino. A primeira edição do congresso coincide com o centenário de nascimento do importante investigador da área, Frantz Fanon, a quem será dedicado ao menos um simpósio temático, palestras e mesas de debate. Outrossim, o evento tem em seu nome, “Afrofonia”, a reverberação da existência africana nos muitos espaços geográficos do globo e na presença desse continente no trabalho acadêmico e escolar, como forma de conscientização da contribuição dos povos africanos à História do mundo. A semana de estudos africanos e o congresso estão previstos para ocorrer entre os dias 20 e 24 de outubro de 2025, na Faculdade de Letras da UFJF.

Organizadores


Josyane Malta Nascimento (UFJF)

Michel Mingote Ferreira de Azara (UFJF)


Comissão organizadora


Anderson Bastos (UFJF)

Daniela da Silva Vieira (UFJF)

Fernanda Murad Machado (UFJF)

Henrique Provinzano Amaral (UFJF)

Josyane Malta Nascimento (UFJF)

Laura Assis (UFJF)

Marcos Vinicius Ferreira de Oliveira (UFJF)

Michel Mingote Ferreira de Azara (UFJF)

Paulo Benites (UTFPR)

Thiago Mattos de Oliveira (UFJF)

Rafael Sellamano Pereira (UFMG)

Renata Lopes Costa Prado (UFF)

Rafael Climent-Espino (Baylor University)





PRIMEIRA SEMANA DE ESTUDOS AFRICANOS DA FACULDADE DE LETRAS DA UFJF E PRIMEIRO CONGRESSO INTERNACIONAL AFROFONIA:

 LITERATURA, ENSINO E PENSAMENTO

100 ANOS DE FRANTZ FANON

2.ª circular

 

NORMAS PARA SUBMISSÃO DE PROPOSTAS -

CATEGORIA: COMUNICAÇÃO EM SIMPÓSIOS TEMÁTICOS

 

Os simpósios temáticos que fazem parte da programação do evento se distribuem em eixos cujo objetivo é promover diálogos e discutir temas cruciais relacionados ao tema da Primeira Semana de Estudos Africanos da Faculdade de Letras da UFJF e Primeiro congresso internacional Afrofonia: literatura, ensino e pensamento 100 anos de FRANTZ FANON. As/os interessadas/os em apresentar trabalhos – comunicações orais – devem escolher o simpósio que melhor se adequa à sua pesquisa e enviar, via e-mail  (primeirocongressoafrofonia@gmail.com), o resumo da proposta, entre os dias 17/06/2025 a 18/07/2025. Cada simpósio poderá acolher até 50 inscrições de comunicação. Os simpósios disponíveis para inscrição, bem como os valores para pagamento, encontram-se no final desta circular. Para mais informações, visitem o site oficial do evento:  https://www.even3.com.br/primeira-semana-de-estudos-africanos-da-faculdade-de-letras-da-ufjf-e-primeiro-congresso-internacional-afrofonia-literatura-ensino-e-pensamento-100-anos-de-frantz-fanon-556164/ e a página Instagram : https://www.instagram.com/congressoafrofonia?igsh=MW5hdDFybzJzeDk1OQ==

 

1. Os simpósios da Primeira Semana de Estudos Africanos da Faculdade de Letras da UFJF e Primeiro congresso internacional Afrofonia: literatura, ensino e pensamento 100 anos de FRANTZ FANON serão distribuídos entre os dias 20 e 24 de outubro de 2025. Os dias, horários, locais (no caso de simpósios presenciais) e links (no caso dos simpósios online) dos simpósios serão estabelecidos pela comissão organizadora e divulgados em momento oportuno. 2. Podem submeter propostas de comunicações: mestrandos, mestres, doutoranda/os, doutora/es e professora/es de IES, do Brasil e do exterior. 3. Cada proponente poderá submeter apenas um resumo e escolher apenas um simpósio para apresentação de comunicação no Congresso. A única exceção refere-se a orientandas/os que inscreverem trabalho em coautoria com a/o orientador/a. Nesse caso, os nomes das/dos orientadoras/es poderão constar em mais de um trabalho, desde que tenham pago a taxa de  inscrição. A comunicação pode ter até três coautorias. Todas/os as/os autoras/es que assinam a comunicação devem ter realizado o pagamento das taxas de inscrição no período previsto (entre os dias 10/08 e 31/08 de 2025), após o recebimento da carta de aceite por parte dos coordenadores dos simpósios temáticos. OBS: Só serão validadas as inscrições pagas dentro do prazo estipulado. O valor pago não será reembolsável.

 

Apresentação presencial ou online obrigatória

A apresentação dos trabalhos deve ser realizada exclusivamente pelos próprios autores ou coautores. Não será permitida a apresentação por terceiros. Somente receberão certificado aqueles que efetivamente apresentarem o trabalho de forma presencial (nos simpósios que aceitarão propostas na modalidade presencial) ou online (nos simpósios que aceitarão propostas na modalidade online).

 

Apresentações de coordenadores de simpósios:

Coordenadoras(es) de simpósios que desejarem apresentar comunicação deverão enviá-la por e-mail, para que suas propostas sejam devidamente consideradas na organização das sessões.

 

Publicação nos anais do evento

As comunicações apresentadas poderão ser publicadas nos anais do evento, desde que atendam aos critérios de qualidade acadêmica e sejam submetidas dentro do prazo estipulado, conforme as normas de publicação a serem divulgadas após o evento.

 

Publicação na revista Ipotesi

Os comunicadores/as poderão também submeter os trabalhos que serão apresentados à revista Ipotesi (Revista de Estudos literários - publicação semestral do Programa de Pós-Graduação em Letras – Estudos Literários, da Universidade Federal de Juiz de Fora), que está com uma chamada aberta até o dia 05/09/2025, com o tema:  Poéticas da descolonização: o legado de Frantz Fanon para a literatura e as artes. Para mais informações, basta acessar o link: https://periodicos.ufjf.br/index.php/ipotesi/index

 

Tempo e formato da apresentação:

Cada comunicação será apresentada em dia e horário previamente divulgados. A/o participante terá, em média, 15 minutos para a exposição, podendo utilizar recursos multimídia.

 

Critérios de avaliação e possibilidade de recusa:

As/os organizadoras(es) dos simpósios poderão recusar propostas de resumo que:

 

(I) excedam o limite de tamanho estabelecido;

(II) não se relacionem tematicamente com o simpósio;

(III) tenham sido submetidas por autores que enviaram dois ou mais resumos (iguais ou diferentes), para um ou mais simpósios;

(IV) contenham plágio;

(V) sejam consideradas de baixa qualidade acadêmica, especialmente em casos de número excedente de inscritos.

 

FORMATO DO RESUMO

 

O resumo deverá, obrigatoriamente, conter as seguintes informações:

 

TÍTULO DA COMUNICAÇÃO ORAL  O título deve ser escrito em caixa alta, utilizando a fonte Times New Roman, tamanho 14, e centralizado.

 

AUTOR(ES) e COAUTOR(ES) Informar o nome do autor, a sigla da instituição a que pertence e o endereço de e-mail.

 

INDICAÇÃO DO SIMPÓSIO TEMÁTICO Informar para qual simpósio temático a proposta será submetida

 

RESUMO

O resumo deve ser redigido em Língua Portuguesa, em parágrafo único, justificado, com no mínimo 250 e no máximo 350 palavras. O texto deve utilizar a fonte Times New Roman, tamanho 12, com espaçamento simples. Deve apresentar, de forma clara e objetiva, os seguintes elementos:

 

• Objetivos da comunicação.

• Justificativa para a pesquisa.

• Metodologia utilizada.

• Referencial teórico adotado.

 

PALAVRAS-CHAVE Ao final do resumo, listar de três palavras-chave, separadas por ponto e vírgula, que situem os conceitos principais e a área de estudo vinculada à comunicação.

 

• Formato dos Arquivos: Somente serão aceitos arquivos nos formatos pdf .doc ou .docx. Qualquer outro formato será automaticamente recusado

 

 

Prazo para envio das comunicações

 

17/06/2025 a 18/07/2025 : Envio da proposta de comunicação via e-mail (primeirocongressoafrofonia@gmail.com) para análise dos coordenadores dos simpósios.

 

Análises das propostas (coordenadores dos Simpósios temáticos)

19/07 a 04/08.

 

Envio das cartas de aceite

 05/08 a 10/08

 

Inscrição para apresentação de comunicação (após recebimento da carta de aceite)

10/08 a 31/08

 

Valores

Professores de instituições de ensino superior ou federal, pesquisadores e doutores:

80 reais

 

Estudantes de pós-graduação (mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos) 60 reais

 

SIMPÓSIOS TEMÁTICOS

 

SIMPÓSIO 1

MODALIDADE ON-LINE

 

Linguagem, artes, subjetividade negra e racismo epistêmico: por uma educação afrofônica

 

 

SIMPÓSIO 2 

MODALIDADE ON-LINE

 

EPISTEMOLOGIAS DE ÁFRICA NAS LITERATURAS AFRICANAS E AFRO-BRASILEIRAS: RITOS, MITOS E RELIGIOSIDADES.

 

SIMPÓSIO 3 

MODALIDADE ON-LINE

 

 DOS DISCURSOS DA COLONIZAÇÃO: SUJEITO, HISTÓRIA E IDEOLOGIA

 

SIMPÓSIO 4

MODALIDADE ON-LINE

 

REPRESENTAÇÕES DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA EM MATERIAIS PEDAGÓGICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA BRASILEIRA NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

 

SIMPÓSIO 5

MODALIDADE PRESENCIAL

 

LITERATURA ANGOLANA: CAMINHOS E DESCAMINHOS EM DIÁLOGOS COM A HISTÓRIA.

 

SIMPÓSIO 6

MODALIDADE PRESENCIAL

 

THE NAMELESS BODY - A POESIA DE EDIMILSON DE ALMEIDA PEREIRA

 

SIMPÓSIO 7

MODALIDADE PRESENCIAL

 

ESTUDOS SOBRE EPISTEMOLOGIAS E SABERES NEGROS E INDÍGENAS NA FILOSOFIA, PSICOLOGIA E LITERATURA

 

 SIMPÓSIO 8

MODALIDADE PRESENCIAL

 

REPRESENTATIVIDADE E ANTIRRACISMO NA INFÂNCIA: REFLEXÕES A PARTIR DE TRABALHOS E PESQUISAS COM A LITERATURA INFANTIL AFRICANA E AFRODIASPÓRICA

 

SIMPÓSIO 9

MODALIDADE ON-LINE

 

JUDITH BUTLER E FRANTZ FANON: POLÍTICAS DE REIVINDICAÇÃO INEGOCIÁVEL DA VIDA DE MULHERES ATRAVÉS DA NÃO VIOLÊNCIA

 

SIMPÓSIO 10

MODALIDADE PRESENCIAL

 

A LITERATURA AFRO-ITALIANA E SUAS POSSIBILIDADES EPISTÊMICAS: OUTROS OLHARES PARA A ITÁLIA NEGRA

 

 

SIMPÓSIO 11

MODALIDADE PRESENCIAL

 

POÉTICAS DA DISSONÂNCIA: ENCRUZILHADAS ENTRE JAZZ E LITERATURA

 

 

SIMPÓSIO 12

MODALIDADE PRESENCIAL

 

LINGUAGENS, VIDAS E PRESENÇAS DOS TERREIROS

 

Para conferir os resumos dos simpósios temáticos, basta acessar o seguinte link: https://drive.google.com/drive/folders/1dsqcd3nrxvrODzIiIhkZAhgrw88Ltsxe?usp=drive_link

ou o link na bio da página instagram: https://www.instagram.com/congressoafrofonia?igsh=MW5hdDFybzJzeDk1OQ==

 

 

Inscrições

{{'Label_CodigoPromocionalAplicadoComSucesso' | translate}}
{{'Label_Presencial' | translate}} {{'Label_Online' | translate}} {{'Label_PresencialEOnline' | translate}}

{{item.titulo}}

{{'Label_DoacaoAPartir' | translate}} {{item.valores[0].valor | currency:viewModel.evento.moeda}}

{{item.descricao}}
{{'Titulo_Gratis' |translate}} {{viewModel.configuracaoInscricaoEvento.descricaoEntradaGratis}}
{{entrada.valor | currency:viewModel.evento.moeda}} {{entrada.valor | currency:viewModel.evento.moeda}}  

{{entrada.valorComDesconto | currency:viewModel.evento.moeda}}

{{'Titulo_Ate' | translate}} {{entrada.validoAte |date: viewModel.evento.cultura.formatoData}}
{{'Titulo_Ate' | translate}} {{entrada.validoAte |date: viewModel.evento.cultura.formatoData}}
{{'Label_APartirDe' | translate}} {{entrada.validoDe | date:viewModel.evento.cultura.formatoData}}
Calendar

{{'Titulo_NaoDisponivel' | translate}}

Coordenadores de simpósio temático

{{areaSiteEvento.jsonObj.configuracaoSubmissao.dataInicioSubmissao}} - {{areaSiteEvento.jsonObj.configuracaoSubmissao.dataLimiteSubmissao}}

{{item.denominacao}}
{{item.denominacao}}
{{item.denominacao}}

{{areaSiteEvento.titulo}}

Resumos dos simpósios temáticos

 

SIMPÓSIO 1

MODALIDADE ON-LINE

 

Linguagem, artes, subjetividade negra e racismo epistêmico: por uma educação afrofônica

 

Language, arts, Black Subjectivity, and Epistemic Racism: Toward an Afrophonic Education

 

Érica Luciana de Souza Silva

Natalino da Silva de Oliveira

Roberta Maria Ferreira Alves

 

A linguagem é constitutiva do ser humano. Ao longo da evolução social e histórica, ela tem exercido papel fundamental na mediação entre o sujeito e o mundo, possibilitando a criação de sentidos, a produção de identidades e a elaboração simbólica da realidade. Como afirma Mikhail Bakhtin (2003), a linguagem não é um sistema fechado e neutro, mas um fenômeno ideológico e dialógico que se forma na interação entre sujeitos situados histórica e socialmente. Nesse sentido, é por meio do ato de linguagem que os sujeitos se elaboram, disputam significados e constroem formas de resistência. É a genuína representação do pensamento. Tomando essas afirmações iniciais, pensa-se o fenômeno da linguagem na construção do sujeito negro, elemento formador de uma sociedade  que possui profundas raízes coloniais e escravocratas. Por outro lado, é também na linguagem que encontramos estratégias de insurgência. A produção de literatura marginal, as letras do rap e do slam, os contos afrocentrados e as narrativas autobiográficas escritas por mulheres negras e por sujeitos em situação de vulnerabilidade (como no cárcere, por exemplo), desafiam a ordem simbólica dominante e reinscrevem corpos negros como protagonistas de sua história. Esses textos constroem contranarrativas, promovendo o que Stuart Hall (2003) denomina como “rearticulação identitária” e contribuindo para a construção de uma “Afrofonia” que celebra a pluralidade de vozes do mundo negro. Ao pensarmos essa dinâmica na constituição da subjetividade negra, torna-se indispensável revisitar os aportes de Frantz Fanon, especialmente em Pele negra, máscaras brancas (2008). Nesse livro, o martinicano analisa como o negro, colonizado e alienado, é conduzido à introjeção de uma linguagem que não o representa, mas que o violenta. Ao aprender a “falar como o branco”, o sujeito negro internaliza um discurso eurocêntrico que o coloca em posição de inferioridade ontológica. O psicanalista afirma que a linguagem carrega o universo cultural e os valores de quem a emite, sendo, portanto, um campo de disputa simbólica no qual a desumanização e a luta por dignidade se manifestam (Fanon, 2008). O autor  ainda afirma que, aquele originário de uma região colonizada é engendrado em uma teia de inferioridade quanto a sua origem cultural e é

 

levado a tomar a cultura e os valores elitistas como o modelo a ser seguido a fim de escapar da condição de falta de dignidade e das sucessivas violências desencadeadas pelos processos raciais. O racismo epistêmico atua por meio da deslegitimação de saberes, memórias e modos de existência que não se enquadram no cânone ocidental. Essa exclusão se manifesta na forma como a linguagem é institucionalmente tratada: pela valorização do “bom português”, da norma culta, da literatura europeia e do pensamento branco como universais. Nesse contexto, a escola torna-se espaço de reprodução dessas hierarquias simbólicas, promovendo o que bell hooks (2019) chama de "pedagogia da dominação", que silencia vozes negras e impõe um modelo hegemônico de subjetividade. Também é pela linguagem — como destaca Lélia Gonzalez (2020) ao propor o conceito de pretuguês — que se evidenciam os processos de racialização que marcam a sociedade brasileira. O pretuguês, resultado da fusão entre a língua portuguesa e as influências das línguas africanas, revela como a experiência negra no Brasil se inscreve na linguagem de maneira resistente e criativa, subvertendo as normas linguísticas hegemônicas. Essa proposta tensiona a ideia de uma linguagem neutra, mostrando que o português falado no Brasil carrega as marcas da diáspora africana e que essas ranhuras foram sistematicamente inferiorizadas por um projeto colonial que privilegia a norma culta europeia. Com isso, Gonzalez denuncia o racismo linguístico como uma das formas de exclusão simbólica, ao mesmo tempo em que reivindica o valor epistêmico das expressões negras na constituição de um saber outro, insurgente e popular. Diante dessas reflexões, o presente simpósio propõe discutir a linguagem, não apenas enquanto código, mas uma prática política e estética, investigando sua funcionalidade como instrumento de dominação, dispositivo de resistência e reconfiguração identitária. Propomos a reflexão sobre como a linguagem artística — Literatura e demais manifestações artísticas distintas — vem sendo apropriada por sujeitos negros na educação básica, no cumprimento da Lei 10.639/03, como meio de enfrentamento ao racismo epistêmico e na construção de uma consciência crítica. De uma forma especial, o simpósio se preocupa com a situação do negro brasileiro, sem deixar de acolher outras propostas, que reflitam contextos semelhantes em outros tempos e espaços Pretende-se reunir estudos, relatos de experiência e reflexões teóricas que articulem as linguagens artísticas e o pensamento de Fanon a práticas de ensino comprometidas com a valorização das epistemologias negras e das narrativas diaspóricas. Interessa-nos, por exemplo, como autores(as) afro-brasileiros(as) e africanos(as) vêm sendo incorporados aos currículos,  e  de que forma os textos literários e demais manifestações artísticas podem servir como dispositivos de ruptura com a colonialidade do saber (Quijano, 2005). Além disso,  pensa-se  como práticas linguísticas e semióticas operam no processo de “outremização” (Morrison, 2019), estabelecendo abismos entre o “nós” e o “outro”, entre o “humano” e o “menos que humano”.Assim, nos cem anos de Frantz Fanon, este simpósio se apresenta como espaço de escuta, diálogo e ação crítica. Em um país como o Brasil — herdeiro direto de uma das maiores tragédias coloniais — discutir linguagem, Literatura, artes e ensino a partir de uma perspectiva afro-diaspórica como tarefa urgente. É preciso interrogar os modos como se escreve, se ensina e se pensa a experiência negra no mundo contemporâneo, para que a palavra deixe de ser ferramenta de opressão e se torne instrumento de libertação.

Palavras-chave: Linguagem; Fanon; Ensino; Literatura negra; Racismo epistêmico.

Keywords: Language; Fanon; Education; Black Literature; Epistemic Racism.

 

Referências Bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34, 2003.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.

GONZALEZ,L. Por um Feminismo AfroLatino Americano. Org.; Flávia Rios e Márcia LIma.  São Paulo:Zahar, 2020.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: A educação como prática da liberdade. Tradução de Sandra Regina Haydu. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2019.

MORRISON, Toni. A origem dos outros. Tradução de Fernanda Abreu. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: CLACSO, 2005.

 

 

 

 

SIMPÓSIO 2

MODALIDADE ON-LINE

 

Epistemologias de África nas literaturas africanas e afro-brasileiras: ritos, mitos e religiosidades.

 

A tradição ocidental naturalizou a ideia de que o conhecimento e a filosofia legítimos eram produtos culturais limitados a um contexto geopolítico (Europa e EUA). A metodologia afrocêntrica, proposta em meados da década de 1980 por Molefi Asante (2024), e os estudos decoloniais, surgidos na década de 1990 tendo como principal expoente Aníbal Quijano (2005), mais do que reclamarem a revisão histórica, reorientam a compreensão de que produção do conhecimento é um bem cultural humano e que pode ser observado em todas as culturas ao redor do planeta. Tanto Asante (2024) quanto Quijano (2005) concordam que a dominação material e simbólica ocidental baseou-se em teorias racistas para sustentar e perpetuar a hegemonia do homem branco sobre os demais povos do globo, referenciando suas propostas a partir dos contextos da dominação colonial e imperial da África e das Américas, respectivamente.

Boaventura Santos e Maria Paula Meneses (2009) apontam o epistemicídio como “a supressão dos conhecimentos locais perpetradas por um conhecimento alienígena” (Santos e Meneses, 2009, p. 10), ou seja, a destruição e/ou inferiorização de algumas formas de saberes locais por meio do colonialismo que compromete a riqueza de perspectivas presente na diversidade cultural e nas multifacetadas percepções de mundo. 

O martinicano Frantz Fanon problematiza esse paradigma brancorreferenciado e reflete sobre as marcas psicológicas da colonização na pessoa preta, pois no “negro existem uma exacerbação afetiva, uma raiva por se sentir pequeno e uma incapacidade para qualquer comunhão que o confinam em uma insularidade intolerável” (Fanon, 2020, p. 65). 

Para Fanon (2022), descendentes de pessoas escravizadas enfrentam dilemas que afetam sua saúde mental, a ponto de introjetarem a sua inferioridade diante do branco, vez que o paradigma colonialista e escravocrata estabelece a desumanização de pessoas negras, relegando-as à condição de mal absoluto. Desta feita, Fanon defende a luta contra o sistema. Uma das formas de reação são os processos de resistência e insubmissão ao domínio branco na Améfrica (Gonzalez, 2020) e África eurocolonizada.  Assim, observamos as representações literárias produzidas em terras amefricanas e africanas como tensionamento racial às estruturas colonialistas. 

Compreendendo a literatura como uma expressão artística que é transpassada pelas questões socioeconômicas de determinada cultura, as literaturas africanas e amefricanas trazem em seu arcabouço simbólico não somente as marcas da dominação colonial, mas referências a filosofias, epistemes e saberes produzidos e experienciados muito antes da invasão europeia, transplantados em contextos diaspóricos por meio da religiosidade.

Ao analisar o desenrolar histórico das escolas literárias brasileiras, Eduardo Duarte (2008; 2014) observou como se deu a participação das autorias negras nestes movimentos, assim como da maneira diferenciada como personagens negras e suas realidades inerentes foram representadas nas produções de pessoas brancas e nas das autorias afroidentificadas. A partir disso, o crítico apontou a presença de cinco marcas daquilo que concebe como uma vertente afro-identificada da literatura nacional, sendo elas: autoria, a temática racial presente, a linguagem que subverte os modelos literários da literatura tradicional, o ponto de vista alinhado e sensível à realidade da população negra no Brasil. 

Para Duarte (2008; 2014), a linguagem característica do texto afro-brasileiro se expressa por meio de ritmos, entonações, escolhas lexicais e uma semântica própria, frequentemente ressignificando sentidos hegemônicos da língua. Mais do que um simples meio de comunicação, ou marca estilística, a linguagem se configura como instrumento de luta e resistência ao resgatar e legitimar referências culturais negro-brasileiras e africanas, opondo-se a paradigmas estéticos eurocêntricos e brancorreferenciados historicamente instituídos como norma. As “marcas” características da literatura afro-brasileira apontam não somente para o resgate e valorização das origens e dos símbolos culturais africanos, mas para a projeção de novos itinerários civilizacionais, intuindo a implementação de cenários mais jutos e democráticos em que o negro não seja apenas subalterno ou coadjuvante, mas também protagonista na composição dos novos arranjos sociais.

Em contexto africano, o escritor angolano Pepetela (1989 apud Paradiso, 2020) fez emergir o termo Realismo animista como uma alternativa às categorias de Realismo mágico ou Realismo maravilhoso, cunhados na Europa e depois exportados para descrever obras literárias latino-americanas e africanas. O termo realismo animista surge com objetivo de desafiar o etnocentrismo na literatura, buscando em sua estética mostrar as religiões tradicionais da África não apenas como fenômenos descontextualizados, mas como símbolos sociais e políticos que desafiam as mentalidades ocidentais, incentivando reflexões mais profundas sobre as religiosidades africanas, indo além dos estereótipos de “sobrenatural”, “exótico”, “fantasioso”, “estranho” ou “excêntrico” (Paradiso, 2020).

Diante dessas observações, este simpósio pretende reunir  comunicações — a partir de textos literários produzidos em língua portuguesa e língua inglesa — que considerem as narrativas populares, a religiosidade, os festejos, os mitos e ritos tradicionais das culturas africanas e afro-brasileiras, intuindo prestigiar, refletir e divulgar a representação das epistemes e filosofias africanas neles contidas, observando, assim, como estes saberes e cosmopercepções sobreviveram e resistiram ao tempo apesar da escravidão colonial, do epistemicídio e da necropolítica observada diante das corporeidades racializadas. 

 

Referências

 

ASANTE, Molefi Kete. Kemet, Afrocentricidade e conhecimento. Tradução de Akili Oji Amauzo Bakari. São Paulo: Editora Ananse, 2024.

DUARTE, Eduardo de Assis. Faces do negro na literatura brasileira. Literafro, Belo Horizonte, 2014. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/artigos/artigos-teorico-criticos/1676-eduardo-de-assis-duarte-faces-do-negro-na-literatura-brasileira.  Acesso em: 08 fev. 2025.

DUARTE, Eduardo de Assis. Literatura afro-brasileira: um conceito em construção. Estudos de Literatura Brasileira Contemporanea, nº. 31. Brasilia, jan-jun de 2008, p. 11-23. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/9430. Acesso em: 08 fev. 2025.

FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Trad. Sebastião Nascimento; colab. Raquel Camargo. São Paulo: Ubu Editora, 2020.

FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro: Zahar, 2022.

GONZALEZ, Lélia. Por um Feminismo Afro-Latino-Americano. Org. Flávia Rios e Márcia Lima. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

PARADISO, Silvio Ruiz. O Realismo Animista e as Literaturas Africanas: gênese e percursos. Revista Interfaces, v. 11, n. 2, p. 97-112, 2020. Disponível em: https://revistas.unicentro.br/index.php/revista_interfaces/article/view/6187/4464. Acesso em: 15 fev. 2025.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In

LANDER, Edgardo. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais perspectivas latino-americanas. Colección Sur-Sur, Clacso, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina, 2005. p. 107-130. Disponível em: https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/sur-sur/20100624103322/12_Quijano.pdf. Acesso em: 02 mai. 2024. 

SANTOS, Boaventura de Souza; MENESES, Maria Paula (Orgs.) Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina, 2009. 

 

Resumo biográfico dos autores:

 

Jerson Oliveira Mendes Junior: Graduado em Pedagogia (UNEB) e Letras Português-Inglês (UNIJALES). Possui especialização latus sensu no Ensino de Língua Inglesa (FACE), Psicopedagogia Institucional (Multivix) e Coordenação Pedagógica (UFBA). Mestre em Letras (UFES) e Doutorando em Letras (UFES) com bolsa CAPES. Atuou por uma década na educação básica na rede pública e privada de ensino em Teixeira de Freitas – BA. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7037111935634420. E-mail: jersonjunior@icloud.com.

 

Monaliza Rios Silva: Professora de literaturas de língua inglesa, na graduação, do Curso de Licenciatura em Letras, da Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (UFAPE); professora permanente de Literatura e Ensino do PROFLETRAS (UFAPE). Doutora em Literatura, Cultura e Tradução (UFPB) e líder do Núcleo de Pesquisa em Literaturas Escritas por Mulheres (NUPELEM/UFAPE-CNPq). Lattes: https://lattes.cnpq.br/8558188707796223. E-mail: monaliza.rios@ufape.edu.br.

 

 

SIMPÓSIO 3

MODALIDADE ON-LINE

 

 DOS DISCURSOS DA COLONIZAÇÃO: SUJEITO, HISTÓRIA E IDEOLOGIA

 

A dominação europeia sobre o continente africano, que se deu através da invasão a este continente, foi um projeto que, ideologicamente, não tinha só como objetivo arrancar os recursos naturais, mas, também, a construção de uma imagem negativa sobre os países invadidos, legitimando a ida ao solo africano (Alexandre, 1995) e, consequentemente, validar a teoria da “civilização”, razão pela qual vê-se muitos discursos de apagamento da cultura africana (Hernandez, 2005), a partir dos quais procura-se demonstrar a “superioridade cultural” do ocidente e oriente em relação aos africanos. No período pós-colonial, houve tentativa de eliminar a subjugação ocidentalista através do nacionalismo, contudo, as mazelas ainda permanecem na praxe do homem africano, razão pela qual Césaire (2011) enxerga o colonialismo como algo “imortal”, uma vez que as invasões coloniais não cessaram com a retirada dos colonizadores. A continuidade do colonialismo tem a ver, em parte, com a materialização dos discursos coloniais. Discursos esses que, na sua grande maioria, são reproduzidos no ambiente escolar, a exemplo do contexto guineense (Cá, 2008). Para Munanga (2005), a reprodução desses discursos é resultado da educação colonial que ainda temos. Desse modo, levando em consideração que qualquer atividade humana envolve a linguagem, partimos do pressuposto de que a manutenção da colonização está enraizada na linguagem, pois, muito além de um instrumento de comunicação, a linguagem, na perspectiva materialista do discurso, é carregada de intenções. Logo, pensar a linguagem requer compreender o papel da ideologia na materialidade discursiva, uma vez que ela não é transparente. Em função disso, para Fanon (2008), nós nos significamos através da linguagem, pois é a ideologia (materialidade linguística) que evidencia a significação do indivíduo assujeitado (Pêcheux, 2010), definindo o que é ser preto, branco, feio, bonito, demoníaco, etc. Por isso, somos nomeados e designados a diferentes tipos de papéis sociais. Pois, o discurso é praxe, a materialização de uma ideologia. Na África Subsaariana, por exemplo, tem se verificado o fenômeno do uso de creme para clarear pele, pois ter pele clara virou sinônimo de status sociais. Essa prática, incentivada pelo discurso do colonizador, ficou normalizada na realidade africana e tem gerado muitos debates nos últimos tempos. À semelhança da questão de clareamento da pele, tem sido visto muito a questão do uso de cabelos sintéticos nos países africanos. Cabelos esses que têm formatos parecidos com os ditos “lisos”, que é visto no imaginário social como cabelo “bonito” e “fácil de cuidar”. Em contrapartida, vê-se muito a desvalorização da identidade africana e, também, o desperdício das cifras que só enriquecem a indústria capitalista. Outrossim, a problemática das religiões trazidas no continente africano tem impulsionado não só debates, como também problemas de ordens “étnicas”. Aprendemos com Althusser (1974) que nós somos convidados a serem sujeitos, numa transformação em que o indivíduo passa a ser o sujeito do discurso. Entretanto, para que isso aconteça, segundo Pêcheux (2014), é preciso que o indivíduo aceite o discurso a ele dado (processo de identificação), colocando na prática o que lhe foi dito. Todavia, há momento em que o indivíduo passa a não se rever no que é dito (processo de desidentificação). É pelo processo de desidentificação que, por exemplo, um indivíduo que usa creme para mudar sua tonalidade de pele toma consciência de que aquilo é errado; é a mesma lógica que faz o indivíduo tomar consciência de que não existe cabelo melhor ou inferior que o outro. Ademais, é a desidentificação ideológica que faz um indivíduo que foi cristianizado/islamizado criticar a visão imperialista dessas instituições religiosas. Entretanto, pensar tudo isso é pensar o funcionamento da linguagem da colonização, refletindo sobre a ideologia na perspectiva dominante. Desse modo, a proposta para o simpósio temático que se intitula “Dos discursos da colonização: sujeito, história e ideologia” tem como objetivo refletir sobre o discurso colonial e seus efeitos de sentidos na contemporaneidade africana, estando aberta a receber trabalhos que versam sobre a materialização da praxe do discurso colonial no continente africano. 

 

Referências

 

ALEXANDRE, Valentim. A África no Imaginário político português (XIX e XX). Penélope: revista de história e ciências sociais, Portugal, n. 15, p. 39-52, 1995. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2685271. Acesso em: 20 jan 2025. 

ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. Tradução Joaquim José de Moura Ramos. Lisboa: Editorial Presença/Martins Fontes, 1974.

CÁ, Lourenço Ocuni. Formulação e implementação da política do currículo logo após a independência (1975-1980). In: A construção da política do currículo na Guiné Bissau e o mundo globalizado. Cuiabá: EdUFMT/CAPES, 2008.

CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. Tradução de Claudio Willer. São Paulo: Vineta, 2020.   

FANON, Frantz. Pele negramáscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. 

HERNANDEZ, Leila Maria Gonçalves Leite. A África na sala de aula: visita à história contemporânea. São Paulo: Selo negro, 2005.  

Superando o Racismo na escola. 2ª edição revisada / Kabengele Munanga, organizador. – [Brasília]: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. 

PÊCHEUX, Michel. "Ousar pensar e ousar se revoltar. Ideologia, marxismo, luta de classes," Décalages: Vol. 1: Iss. 4. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/pecheux/ano/mes/40.pdf. Aceso em: 03 mai 

PÊCHEUX, Michel. Análise automática do discurso. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. 

2025.

 

Resumo biográfico dos autores:

 

Carmolino Cá: mestre e doutorando em linguística (análise do discurso) na Universidade Federal de Alagoas.

 

Trindade Gomes Nanque: Metre e doutorando em Ciência da Educação na Universidade Nova de Lisboa.

 

 

 

SIMPÓSIO 4

MODALIDADE ON-LNIE

 

Representações da cultura Afro-brasileira em materiais pedagógicos de língua portuguesa e literatura brasileira no âmbito da Educação Básica

 

A lei 10.639, criada com o intuito de incluir a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" na educação nacional completou 22 anos de existência. O seu objetivo é tratar do “estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil” (BRASIL, 2003). Um dos caminhos alternativos para a promoção de debates reflexivos sobre como a população negra é representada em nosso país, é analisar como o povo negro tem sido representado em materiais pedagógicos - especialmente em propostas de ensino de língua portuguesa ou literatura brasileira, no âmbito da educação básica - por meio de uma diversidade de gêneros textuais/discursivos que circulam em nossa sociedade. Subsidiada na lei 10.639 a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento normativo que rege a Educação Básica brasileira, prevê em suas competências gerais atreladas ao ensino que o "respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza"(BRASIL,2018, p.10) sejam discutidos nas instituições escolares . Portanto, a BNCC respalda que estes valores devam ser incorporados às propostas pedagógicas, nas diferentes disciplinas, sejam elas desenvolvidas na escola pública ou privada. Para que esta abordagem seja abarcada no ensino, o documento ressalta que todo o conteúdo abordado na Educação Básica, seja desenvolvido por meio de textos baseados em perspectivas enunciativo-discursivas na abordagem, de forma a sempre relacioná-los "em seus contextos de produção e o desenvolvimento de habilidades ao uso significativo da linguagem em atividades de leitura, escuta e produção de textos em várias mídias e semioses" ( BRASIL, 2018, p.67). Ao considerar que as práticas sociais , em especial a de linguagens, são mediadas por gêneros discursivos,  Bakhtin, a partir de uma abordagem discursiva, reconhece que os discursos se materializam por meio da linguagem (BAKHTIN,1997[1953]). A BNCC sustenta que todo o ensino deve ser mediado por textos. Nesta perspectiva, o texto é tido como unidade central de trabalho e tem uma concepção mais ampla, ou seja, ele é considerado como multimodal, já que a materialização por meio deles pode se dar por uma variedade de signos (escritos, orais, visuais, sonoros). Dentre as questões a serem abordadas desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, a BNCC considera a "educação das relações étnico-raciais e ensino de história e cultura Afro-brasileira" como uma questão obrigatória a ser implementada. Ao partir desta contextualização, este simpósio tem como intuito discutir como propostas pedagógicas no âmbito da Educação Básica - na área de ensino de língua portuguesa e/ou literatura brasileira - têm abordado, em alguma perspectiva, a representação da população negra para a construção social, política, artística, etc... da cultura brasileira. Dentre elas, consideram-se práticas de ensino desenvolvidas em materiais didáticos, produtos educacionais,  elaborados para alunos da rede pública e ou privada. Serão aceitas propostas desenvolvidas tanto em trabalhos de conclusão de curso na graduação ou pós-graduação, assim como em outros projetos, desde que já tenham sido impletamentado ou parcialmente desenvolvidos na Educação Básica. Objetiva-se que este simpósio, portanto, oportunize uma reflexão crítica sobre os desdobramentos destas práticas pedagógicas em sala de aula, salientando-se para a contribuição da população negra para a construção da cultura brasileira.

 

Resumo biográfico das autoras:

 

Daniela da Silva Vieira - Universidade Federal de Juiz de Fora- UFJF: Professora adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora e atua no Departamento de Letras (DLET). Atua na graduação do curso de Letras, assim como no mestrado profissional PROFLETRAS, na área de ensino de Língua Portuguesa.

 

Jacqueline Gomes Vicente - Instituto Federal do Rio de Janeiro- IFRJ: Professora de Língua Inglesa do Instituto Federal de Educação Básica, Técnica e Tecnológica do Rio de Janeiro e ocupa o cargo de diretora na Diretoria de Diversidade e Ações Afirmativas.

 

 

SIMPÓSIO 5

MODALIDADE PRESENCIAL

 

Literatura angolana: caminhos e descaminhos em diálogos com a História.

 

“Pôr a África em movimento, colaborar na sua organização, no seu reagrupamento, segundo princípios revolucionários. Participar no movimento ordenado de um continente, foi esse, em última análise, o trabalho que escolhi” (Fanon, 1980, p. 214). Essas palavras, escritas por Fanon em seu diário de viagem em março de 1960 — durante uma missão de reconhecimento e instalação de uma base de apoio ao movimento revolucionário argelino na fronteira com o Mali —, representam seu pensamento e compromisso diante da urgente e necessária libertação do continente africano do jugo colonial. 

No momento de comemoração do centenário de seu nascimento e do cinquentenário das independências dos países africanos de língua portuguesa é inevitável pensar no papel que a literatura teve, e tem, nesses espaços, sua contribuição para a conquista das independências e posterior organização e consolidação das nações. Ainda segundo Fanon, falar é “sobretudo assumir uma cultura, suportar o peso de uma civilização”, pois “[u]m homem que possui a linguagem possui, em contrapartida, o mundo que essa linguagem expressa e que lhe é implícito. [...] existe na posse da linguagem uma extraordinária potência” (Fanon, 2008, p. 33-34). Poderíamos estender suas afirmações acerca da linguagem para o campo das expressões artísticas e, mais especificamente, para a literatura. Tomar posse de instrumentos utilizados pelo colonizador para compor uma discursividade colonial que justificasse sua dominação — língua e literatura — torna-se, em certa medida, (re)possuir seu mundo — com tudo que lhe é implícito — sua história, seu imaginário, sua liberdade.

Para além do lugar de resistência e denúncia dos diversos tipos de violência cometidos pelo jugo colonial português, a literatura também assumiu muito cedo a tarefa de contar histórias ainda a serem feitas pela perspectiva historiográfica, visto a tendência predominantemente eurocêntrica e, consequentemente, voltada para a noção de império português. Assumiu também um lugar de enfrentamento dos imaginários produzidos pela literatura portuguesa. Da literatura de viagem à literatura colonial do século XX, promovida e divulgada pelo Estado Novo salazarista, os espaços africanos sob domínio português — Angola, Cabo Verde, Guiné Portuguesa, Moçambique e São Tomé e Príncipe — ganharam contornos a justificar a necessidade da presença colonizadora, imagem que foi denunciada e confrontada pelas literaturas africanas de língua portuguesa. Tais literaturas, desde seu surgimento, estabelecem profundas e abundantes relações entre os discursos literário e histórico, ambos indispensáveis à construção de imaginários nacionais e/ou identitários. Com as independências, a literatura manteve o lugar, ora de revisitação do passado, ora de indagação do presente, em ambos os casos possibilitando um espaço de contestação. 

Do romance histórico à metaficção historiográfica, passando pela escrita memorialística, a apreensão do factual pelo ficcional elabora variados cenários a partir dos quais diferentes e múltiplas versões da História podem ser problematizadas. Com base no conceito de adaptação proposto por Linda Hutcheon (2013), pode-se entender tal apreensão como “[u]m ato criativo e interpretativo de apropriação/recuperação” (Hutcheon, 2013, p. 30) da história nacional angolana, “ajustando-a”, neste processo de adaptação, à nova natureza ontológica do discurso veiculado e suscitando novos modos de engajamento.

Diante desse cenário, de celebração das independências e de reconhecimento do campo da literatura como lugar de diálogo profícuo com a história, este simpósio propõe olhar a especificidade do espaço angolano, as transformações estruturais e temáticas observadas em suas produções, assim como possíveis reflexões críticas acerca dos processos históricos de colonização, descolonização, guerra civil e estabilização política oriundas da necessidade de ou reformular a história produzida pelo olhar exógeno — reconstruindo mitos, recuperando personagens, reconfigurando espaços agora nacionais — ou narrar a história recente — descortinando alianças, ocultações, silenciamentos e novas relações de poder. Este simpósio pretende acolher, portanto, trabalhos que discutam as relações entre memória, história e literatura presentes em obras literárias angolanas. 

 

Referências

 

FANON, Frantz. Em defesa da revolução africana. Trad. Isabel Pascoal. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1980.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras bancas. Trad. Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.

HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. 2ª ed. Trad. André Cechinel. Florianópolis: Ed. UFSC, 2013.

 

Resumo biográfico das autoras:

 

Renata Flavia da Silva (UFF): Professora de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa da UFF. Organizou as coletâneas Literaturas Africanas de Língua Portuguesa: transições (2023), em parceria com Silvio Renato Jorge e Daniel Marinho Laks; Utopias comuns em múltiplas fronteiras: ensaios sobre as literaturas africanas de língua portuguesa (2017), entre outras publicações.

 

Roberta Guimarães Franco (UFMG): Professora de Literatura Portuguesa e Literaturas Africanas de Língua Portuguesa da UFMG. Organizadora da coletânea Ressonâncias e reverberações em literaturas dos países africanos de língua portuguesa (2024), com Terezinha Taborda e Roberta Alves, e autora dos livros Memórias em Trânsito: Deslocamentos Distópicos em Três Romances Pós-coloniais (2019) e Descortinando a inocência: infância e violência em três obras da literatura angolana (2016). 

 

SIMPÓSIO 6

MODALIDADE PRESENCIAL

 

The nameless body - a poesia de Edimilson de Almeida Pereira

 

Com Dormundo, publicado em 1985, Edimilson de Almeida Pereira faz sua estreia em livro como poeta. Em 2025 comemoramos 40 anos da trajetória poética de Edimilson, que conta com uma obra consolidada entre as mais significativas da poesia brasileira contemporânea. Este simpósio pretende, a partir dessa efeméride, propor um balanço da trajetória poética de Edimilson, interessado em reunir trabalhos que se disponham a investigar as muitas faces do projeto estético do poeta. No poema “Contas”, publicado em Àguas de Contendas, nos deparamos com um “manual da floresta”, o qual é construído com “outro alfabeto”, o que nos força a uma “reeducação do olhar”. Nesse mesmo poema, são lançadas “outras hipóteses no entendimento dos fatos”. Perseguindo essas hipóteses-poéticas, sempre em expansão e em diferença, encontramos um verso que parece dar o tom de como a obra de Edimilson se constrói ao longo do tempo – sempre como um projeto poético-político que se desvia das afirmações dogmáticas da tradição colonial do conhecimento. A partir da recolha das vozes de sujeitos marginalizados e de um estudo sistemático de tradições poéticas e culturais não-hegemônicas no Ocidente, a obra do poeta vem se fazendo como um amálgama de sons, idiomas e imagens ex-cêntricos, deslocados e recombinados com habilidade no território inquieto do poema. Erguida em desafio às convenções literárias estabelecidas e interessada em reescrever, a contrapelo e pela perspectiva anônima dos vencidos, a História, a obra de Edimilson de Almeida Pereira vem construindo para si um lugar absolutamente singular na cena poético-cultural brasileira, dadas as tradições líricas que acessa, dadas as áreas do conhecimento que mobiliza, e dadas, ainda, a enorme capacidade de surpresa e de inquietação interrogante que têm os seus versos. Nosso simpósio convida pesquisadores e pesquisadoras, leitores e leitoras da obra de Edimilson ,a refazer as contas e propor novos diálogos que possam contribuir para a ampliação dos modos de ler o seu trabalho. Diante dessa tarefa, nosso simpósio se coloca como uma possibilidade de imaginação de rotas de leitura da poesia de Edimilson de Almeida Pereira a partir da confluência dos elementos estético-político-filosóficos que conformam a escrita do poeta. Serão bem-vindos trabalhos que se debrucem sobre a própria dimensão do poético, desde a força metalinguística da poesia de Edimilson, suas formas e anti-formas, passando pelo tenso diálogo com as mais diferentes tradições poéticas. Mas também são de interesse do nosso simpósio pesquisas que se voltem para a dimensão política da obra de Edimilson, seja do ponto de vista das reflexões sobre as marcas residuais deixadas no corpo – aquele Corpo Vivido – seja do ponto de vista de estudos que se voltam para os cruzamentos afro-diaspóricos capazes de imaginar outras cartografias poéticas a partir da circulação de mundos e signos do Atlântico Negro. Por fim, reforçamos que os enfretamentos estético-político-filosóficos da obra de Edimilson não se dão de outro modo que não o do processo inventivo/criativo de manipulação da linguagem poética, aquela que nos permite (re)imaginar e (re)posicionar os lugares dos quais derivam nossas realidades dadas e imaginadas.

 

Resumo biográfico dos autores:

 

Cristiano de Sales (UTFPR): Professor de Literatura no Departamento de Linguagem e Comunicação (DALIC/UTFPR) e no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens (PPGEL/UTFPR). Pesquisa poéticas e narrativas modernas e contemporâneas. Tem interesse nos estudos do tempo pelo viés estético. Colabora como crítico no Jornal Rascunho e escreve poesia.

 

Gustavo Silveira Ribeiro (UFMG): Doutor em Literatura Comparada pela UFMG, é professor de Literatura Brasileira da mesma instituição, atuando também, como docente permanente, do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários – PosLit/UFMG. Coordena o Núcleo ESCAPE – grupo de pesquisa (CNPq) sobre poesia experimental, performance e artes do corpo. É um dos editores da Ouriço – revista de poesia e crítica cultural. 

 

Paulo Benites (UTFPR/UFPR): Doutor em Estudos Literários (UFMS). Docente do curso de Letras Português (UTFPR). Pesquisador vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens (PPGEL/UTFPR) e ao Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL/UFPR).

 

 

SIMPÓSIO 7

MODALIDADE PRESENCIAL

 

ESTUDOS SOBRE EPISTEMOLOGIAS E SABERES NEGROS E INDÍGENAS NA FILOSOFIA, PSICOLOGIA E LITERATURA

 

Considerando aspectos desafiadores como a emergência climática, as consequências deletérias do capitalismo e do neoliberalismo, e também a intensificação da presença de atores que historicamente estiveram excluídos da cena acadêmica, diferentes campos dos saberes são convocados a rever, problematizar e reconstruir as bases de sua produção a partir do diálogo e do confronto com epistemologias e saberes negros e indígenas. É o caso dos campos da filosofia, da psicologia e da literatura. O racismo constitui as relações humanas em seu padrão de normalidade.  É uma forma de racionalidade constitutiva das relações que faz com que, de modo consciente ou inconsciente, seja naturalizada a violência contra pessoas negras e indígenas. Mais de 56% da população brasileira se autodeclara negra e é essa maioria populacional que é econômica, política e culturalmente violada em seu direito de viver, de existir. É fato que se verifica cotidianamente: negros e negras ocupam pouquíssimos espaços decisórios fundamentais na sociedade brasileira. Ser branco é ainda “regra”, enquanto ser negro ou indígena é “exceção”. No campo do ensino da filosofia ocidental, da psicologia e da literatura não tem sido diferente, pois impera um racismo epistêmico, ainda que esteja sendo trilhado um caminho potente e necessário por intelectuais negros,  negras, indígenas e por outras vozes dissonantes que operam sistematicamente contra o racismo. Compreendemos ser um imperativo que a educação brasileira seja contagiada por uma lógica antirracista e transformada de modo a não mais se manter alheia ao reconhecimento de pensamentos africanos e indígenas. A sociedade brasileira, bem como os saberes que a constituem, precisaria ser mais simétrica e multipolar. Temos, amparados pelo compromisso de descolonizar o pensamento, realizado uma ampla revisão da literatura produzida por esses intelectuais afroperspectivistas e estudiosos das cosmologias indígenas, considerando suas influências mais recentes no campo da filosofia, psicologia e literatura, de modo a nutrir nossas práticas docentes em sala de aula, com autores como Achile Mbembe, Aimé Césaire, Ailton Krenak, Davi Kopenawa, Eduardo Viveiros de Castro, Frantz Fanon, Lélia Gonzales, Conceição Evaristo, Neusa Sousa Santos, Virgínia Bicudo, Edouard Glissant, Suely Rolnik, entre outros. O reconhecimento desta constelação de discursos, que não fazem parte da hegemonia de conhecimentos que vigoram no contexto acadêmico, explicita a necessidade de abarcar outros modos de pensar o humano radicalmente relacionado a outros ecossistemas. De uma perspectiva descolonizadora do pensamento, nos deslocamos a outros olhares, a outros sentires, a uma escuta que recupere a conexão entre o pulso vital e a potência do pensamento, corpo e espírito. Em tempos de contrarrevolução caracterizados pela reforma heteropatriarcal, colonial e neonacionalista que tem como projeto demolir conquistas emancipatórias no campo das lutas operárias, sexuais e anticoloniais dos últimos séculos, conforme bem identifica Paul B. Preciado (2018), também nos afinamos ao movimento de força política e poética anunciado por Suely Rolnik (2018) presente nas micropolíticas que desestabilizam qualquer forma de dominação de nossas subjetividades. A moral que está na base do neoliberalismo e conservadorismo atua na forma inconsciente de uma subjetivação colonialista e capitalista (Rolnik, 2018). Apontamos assim para a relevância radical dos saberes negros e indígenas que, seja na literatura, na filosofia, na psicologia, na arte, entre outros campos e variadas formas de expressão, vêm oxigenando esse movimento radical de afirmação da vida e em luta contínua contra práticas e discursos colonialistas, capitalistas, antropocêntricos, racistas, patriarcais, adultocêntricos e especistas os quais redundam em relações de poder e opressão sobre as minorias, entre as quais, os negros, as mulheres, as crianças, os pobres, os indígenas, os LGBTQIA+, os deficientes, enfim, os “outros” que, via de regra, são silenciados, negados, usados, mutilados. Distantes de uma narrativa que tem no ser humano a sua centralidade, atrelada a um modo de vida orientado pela lógica utilitária, competitiva e produtivista inerente ao sistema capitalista, os povos originários no Brasil têm se guiado, no decurso de suas existências, por um outro modo de pensamento que considera não só o humano, mas todos os seres viventes como dignos de serem respeitados, porque integrantes deste grande organismo vivo que é a Terra, e os quais estão sempre em contínua relação de troca, portanto, em regime de reciprocidade. Neste sentido, diferentemente de uma ontologia predominante no Ocidente orientada por determinado ponto de vista que, como vemos, é o dominante que oprime objetiva e subjetivamente, o perspectivismo ameríndio caracterizado pelo multinaturalismo (Viveiros de Castro, 2005) nos alimenta e nos educa a outras percepções que têm no corpo de cada pessoa, esta entendida como qualquer ser vivente, a sua imanência direta e cuja voz ativa a nossa imaginação através da abertura para outras realidades da existência agenciadas pela alteridade. Esta cosmopolítica, como tem proferido Ailton Krenak, marcada pela não divisão entre natureza e cultura, corpo e espírito, animalidade e humanidade, caracterizada pelo reconhecimento da interdependência de todos os seres vivos, em diferentes ecossistemas, portanto, legítimos em toda a sua manifestação, fortalece nossas lutas no campo das resistências em nível micro e macropolítico. Assim sendo, serão bem vindas propostas de comunicação que procurem pensar e debater, em uma perspectiva comparativista, transdisciplinar e aberta, as múltiplas possibilidades de leituras transversais que englobam os estudos sobre epistemologias e saberes negros e indígenas na filosofia, psicologia e literatura.

Palavras-chave: descolonização do saber; epistemologias negras; cosmovisões indígenas; micropolíticas de resistência; educação antirracista.

 

Referências

 

CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. São Paulo: Nova Alexandria, 2000.

CASTRO, Eduardo Viveiros de. O perspectivismo ameríndio ou a natureza em pessoa. Ciência & Ambiente, 31, 2005. 

EVARISTO, Conceição. Insubmissas lágrimas de mulheres. Rio de Janeiro: Malê, 2016.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.

GLISSANT, Édouard. Poética da Relação. Trad. Celia Zahar. Rio de Janeiro: Editora 34, 2011.

GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Org. Flávia Rios e Márcia Lima. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: Palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: N-1 Edições, 2014.

PRECIADO, Paul B. Prefácio. In.: ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: Notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 Edições, 2018.

ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: Notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 Edições, 2018.

SANTOS, Neusa Santos. Tornar-se negro: As vicissitudes da identidade do negro em ascensão social. São Paulo: Zahar, 2003.

BICUDO, Virgínia Leone. Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. São Paulo: EDUSP, 2010.

 

Resumo biográfico dos autores:

 

Profa. Silmara Lídia Marton - Departamento de Educação - IEAR/UFF: Professora Associada do Instituto de Educação de Angra dos Reis da Universidade Federal Fluminense (UFF).

 

Prof. Michel Mingote Ferreira de Azara – Departamento de Letras/UFJF: Professor adjunto do Departamento de Letras e Professor do programa de Pós-graduação Profletras - Mestrado profissional em Letras e do Programa de pós-graduação em letras: Estudos literários  da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

 

Profa. Renata Lopes Costa Prado – Departamento de Educação - IEAR/UFF: Professora adjunta do Instituto de Educação de Angra dos Reis da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pós-doutoranda no Instituto de Psicologia (USP).

 

 

SIMPÓSIO 8

MODALIDADE PRESENCIAL

 

Representatividade e Antirracismo na infância: reflexões a partir de trabalhos e pesquisas com a Literatura Infantil Africana e Afrodiaspórica

 

A presente proposta de Simpósio Temático objetiva refletir sobre as pesquisas e trabalhos que envolvam a Literatura Infantil com protagonismo negro, ou seja, narrativas de origens africanas ou afrodiaspóricas que contemplem questões ligadas à negritude. Entende-se por negritude os aspectos que constituem a identidade negra, assim como aponta Kabengele Munanga, ou seja, a história comum que une as pessoas negras e a compreensão de todos os fatores que, juntos, constituem a base da aceitação e da luta contra o racismo. Interessa-nos análises e práticas desenvolvidas a partir de livros infantis e juvenis de autoria negra, ilustradores negros ou com temática negra que busquem enfrentar o racismo, promovendo a beleza, a cultura, a ancestralidade e a identidade de pessoas negras. Entendendo que a identidade negra, muitas vezes, é formada através do olhar do outro, como reflete Bell Hooks, buscamos textos que enalteçam a força e a potência desse povo, e não aqueles que reforcem estereótipos e práticas excludentes. Levando em conta o aumento significativo dessas publicações após a implementação da lei 10.639/03 e a falta de uma crítica literária consolidada em torno das obras, é importante refletir sobre a qualidade desses textos, seu impacto positivo no público leitor e se eles atendem aos requisitos exigidos para serem considerados uma literatura antirracista. Segundo o pensamento da professora e pesquisadora Bárbara Carine, considera-se antirracista aquelas obras que, além de denunciar o racismo, visam a reversão do racismo através do reforço positivo da identidade negra. Nesta perspectiva, alguns autores brasileiros e africanos vêm escrevendo sobre a vida das crianças e suas relações familiares, culturais e sociais, trazendo as narrativas para um contexto comum entre crianças negras ou brancas, sem focar no sofrimento e no relato de práticas racistas. É essencial apresentar narrativas que, ao invés de retratar a personagem principal sofrendo e sendo apontada, a represente de uma forma positiva, em lugares de poder e com situações que ampliem a visão reduzida sobre as pessoas negras. Somente deste modo, acreditamos que seja possível reconstruir o imaginário coletivo sobre as questões inerentes à negritude. Para Edouard Glissant é função de artistas, poetas e escritores romperem o imaginário criado a partir de uma única identidade e apresentar as relações que a constituem, o que nos remete ao alerta de Chimamanda Adiche sobre o perigo de uma história única. É urgente romper com esse imaginário racista que sustenta as estruturas sociais, que coloca o sujeito negro em situações de inferioridade, não reconhecendo suas potências e suas conquistas, como já denunciado por Fanon. Acreditamos que somente a partir de um novo olhar sobre as pessoas negras é possível enfraquecer o racismo, seja ele estrutural, epistêmico ou religioso. No tocante à infância, precisamos contemplar narrativas que desloquem essa criança de uma posição de oprimida e agredida para uma outra que enalteça sua beleza, seu pensamento crítico, sua religiosidade, suas vivências comuns do dia a dia assim como qualquer criança, independente de raça. É essencial analisarmos não apenas o texto verbal, mas sobretudo o texto visual ou imagético, pois as ilustrações também são responsáveis por contar a história, nos aponta a professora Eliane Debus. Os coloridos e os traços das imagens chegam mais rápido à criança e, em algumas vezes, podem distorcer o que se pretende alcançar com a narrativa, nos alerta a professora Maria Anória, referência no estudo da literatura infantil com protagonismo negro. Busca-se assim ampliar o entendimento sobre representação, identidade e representatividade para não cair em armadilhas e não reforçar imaginários preconceituosos. A partir do nosso entendimento de que Representatividade deva ser uma representação ligada à afetividade, é primordial que os livros infantis promovam além do empoderamento, a imaginação e o encantamento com as narrativas e que estas sejam realmente consideradas antirracistas. 

 

Referências

 

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

DEBUS, Eliane. A temática da cultura africana e afro-brasileira na literatura para crianças e jovens. São Paulo: Cortez, 2017a.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.

Hooks, Bell. Olhares negros: raça e representação. Trad. Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2019.

MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 3.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

OLIVEIRA, Maria Anória de Jesus. Personagens negros na literatura infanto- juvenil no Brasil e em Moçambique (2000-2007): entrelaçadas vozes tecendo negritudes. 2010. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010.

PINHEIRO, Bárbara Carine Soares. Como ser um educador antirracista. São Paulo: Planeta do Brasil, 2023.

ROCHA, Enilce Albergaria. A noção de Relação em Édouard Glissant. Ipotesi- Revista de Estudos Literários, Juiz de Fora, v.6 n. 2, p. 31-39, 2002.

 

Resumo biográfico dos autores:

 

Cristiane Veloso de Araujo Pestana (Doutora em Estudos Literários – PJF): Doutora em Estudos Literários pela UFJF com vinte anos de experiência alfabetização e letramento na Prefeitura de Juiz de Fora. Pesquisadora sobre a literatura de mulheres negras e a literatura infantil com protagonismo negro. Possui capítulos de livros publicados e artigos disponíveis no Portal Literafro da UFMG.  http://lattes.cnpq.br/0543012796161285

 

Lucas Esperança da Costa (Doutor em Estudos Literários – PMM): Doutor em Estudos Literários pela UFJF com mais de vinte anos na educação na Prefeitura de Miraí e Muriaé. Pesquisador de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, especialmente, Angola e Moçambique. https://lattes.cnpq.br/3374226899047718

 

 

SIMPÓSIO 9

MODALIDADE ON-LINE

 

Judith Butler e Frantz Fanon: políticas de reivindicação inegociável da vida de mulheres através da não violência

 

O presente simpósio propõe uma articulação entre o pensamento de Judith Butler e Frantz Fanon no que tange à reivindicação inegociável da vida como horizonte ético-político em contextos marcados pela violência estrutural e pela desumanização de corpos racializados e dissidentes de gênero. Ao tomar como eixo central a noção de “não-violência” em Butler, ideia especialmente desenvolvida em sua obra A força da não-violência: o vínculo ético-político (Butler, 2021), e da análise do “não-ser” (Fanon, 1968; Fanon, 2008), busca-se refletir sobre práticas de resistência que desestabilizam os enquadramentos normativos. Nesse sentido, o simpósio parte da hipótese de que a intersecção entre os pensamentos de Butler e Fanon permite delinear uma política radical de valorização da vida, centrada na denúncia dos mecanismos de necropolítica (Mbembe, 2018; Mbembe, 2014) que regulam quem pode viver e quem deve morrer.

Judith Butler destaca que o reconhecimento da vulnerabilidade e da interdependência humanas constitui a base para uma ética da não-violência (Butler, 2021). Para a autora, o desafio contemporâneo reside em construir redes de solidariedade capazes de sustentar a vida, especialmente aquelas historicamente situadas à margem dos sistemas de reconhecimento. Ao estabelecer essa centralidade como fundamento ético-político, Butler dialoga com pensadores como Emmanuel Levinas, cuja filosofia do “rosto do outro” (Levinas, 1980; Levinas, 2010) inaugura uma ética da responsabilidade radical; e Cavarero (Cavarero, Butler, 2007), acerca da noção de “humano” e “inumano” no interior da humanidade, que permite aprofundar o entendimento da violência; e Fanon (1968), que compreende o sujeito colonizado como um “não-ser” ontológico, aquele cuja existência é negada desde a base estrutural da sociedade.

Se Fanon parte da experiência da negação total da humanidade, Butler propõe a noção de que a própria negação do reconhecimento é uma forma de agressão silenciosa, porém sistemática (Butler, 2021). Assim, a articulação entre esses dois pensadores se dá pelo compartilhamento de uma preocupação comum: o modo como certas vidas são deliberadamente mantidas fora dos marcos do reconhecimento e da inteligibilidade. Nesse ponto, Butler parece incorporar a dimensão do desejo ao diagnóstico fanoniano, a linguagem e a performatividade na análise das formas de exclusão, compondo uma ética política que compreende o reconhecimento como disputa incessante pela legitimação de existências precarizadas. O encontro entre esses autores evidencia a urgência de reivindicar a existência como gesto político de enfrentamento à violência que silencia, invisibiliza e mata.

Nesse sentido, a não-violência em Butler não se confunde com passividade, mas é, antes, uma força ativa, uma “não-violência agressiva” (Butler, 2021), como um projeto de reorganização social e simbólica das relações humanas. Trata-se de uma ética que exige o reconhecimento de que todas as vidas são interdependentes, e que essa interdependência deve se tornar fundamento de ação política. Ao articular essa perspectiva com o diagnóstico fanoniano da desumanização do negro no contexto colonial e, por extensão, das mulheres negras, periféricas e trans, sustenta-se que a não-violência pode operar como ferramenta de denúncia e de reconstrução subjetiva. Tal projeto requer a construção de práticas sociais que afirmem o direito à existência plena desses sujeitos, não apenas como sobrevivência, mas como “vidas vivíveis” (Butler, 2015; Butler, 2019), dignas de luto, desejo e cidadania.

Ainda, ao trazer à tona as discussões de Butler sobre o desejo e a sua captura pelo neoliberalismo, que organiza as subjetividades e regula os afetos (Butler, 1993); este simpósio propõe pensar a reivindicação de vidas desejantes como ato revolucionário. Em uma economia neoliberal dos afetos e desejos, corpos femininos, negros, trans e periféricos são frequentemente excluídos do campo do desejável, sendo reduzidos a funções utilitárias ou eliminados por sua “inadequação” aos moldes normativos. Butler, ao problematizar a normatividade do desejo, propõe que práticas desejantes possam ser também práticas políticas, voltadas para a constituição de comunidades de cuidado e de resistência à lógica capitalista de objetificação e descarte.

Metodologicamente, ancoramo-nos primordialmente na análise teórico-conceitual das obras dos autores mencionados, bem como em textos críticos que dialogam com essas perspectivas no campo dos estudos decoloniais, feministas e queer. A análise parte do cruzamento entre filosofia, psicologia, literatura e política para mapear como a escrita desses autores se constitui como intervenção ética em tempos de precarização da vida. A partir disso, o simpósio pretende se debruçar sobre entrelaçamentos entre vulnerabilidade, desejo e reconhecimento, para pensar como práticas de uma “não-violência agressiva” (Butler, 2021) podem ser incorporadas nas lutas feministas e antirracistas contemporâneas, em especial aquelas que partem da experiência encarnada de mulheres cujas vidas seguem ameaçadas cotidianamente. A noção de “vida reivindicada”, que atravessa tanto a teoria de Butler quanto os escritos de Fanon, será compreendida como prática inegociável: não se tratando apenas de existir, mas de existir com dignidade, de reivindicar o direito de ser sujeito de desejo, de luto e de linguagem. O reconhecimento político dessas vidas passa pela recusa ativa à violência institucionalizada e pela afirmação radical da potência de existir.

Este simpósio, portanto, propõe a reflexão sobre formas de existência de corpos historicamente desautorizados de mulheres, em especial mulheres negras, trans e periféricas, cujas vidas seguem sendo alvo de dispositivos de apagamento e violência. O simpósio propõe acolher reflexões que tratem da literatura e do pensamento como campos de elaboração dessas existências vividas, reivindicadas e reimaginadas. Nesse sentido, ao articular os pensamentos de Judith Butler e Frantz Fanon, pretendemos contribuir para a construção de um campo crítico que reconheça esses corpos não apenas como objetos de discurso, mas como sujeitos ativos na produção de vida, linguagem e resistência.


Referências

 

BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: EdUFMG, 2001.

BUTLER, Judith. A força da não violência: um vínculo ético-político. São Paulo: Boitempo Editorial, 2021.

BUTLER, Judith. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. 1 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.

BUTLER, Judith. Bodies that matter. 1 ed. Londres: Routledge, 1993. 

BUTLER, Judith.  Em  perigo/perigoso:  racismo  esquemático  e  paranoia  branca. Educação e Pesquisa, v. 46, e460100302, 2020.

BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.

BUTLER, Judith. Vida precária: os poderes do luto e da violência. 1 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.

CAVARERO, Adriana; BUTLER, Judith. Condição humana contra “natureza”. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 15, n. 3: 647-662, setembro-dezembro/2007. Tradução de Selvino Assmann.

COLLINS, Patricia Hill. Intersectionality as critical social theory. 1 ed. Durham: Duke University Press, 2019.

FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EdUfba, 2008.

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. 8 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade (A vontade de saber). 13 ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.

HALL, Stuart. Quem precisa da identidade?. In: SILVA, T. T.. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 1 ed. Petrópolis, Vozes, pp. 103-133, 2000.

LEVINAS, Emmanuel. Entre nós: Ensaio sobre a alteridade. Petrópolis: Vozes, 2010.

LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito: Ensaio sobre a exterioridade. Lisboa: Edições 70, 1980.

MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Portugal: Antígona, 2014.

MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: N-1 Edições, 2018.

 

Resumo biográfico dos autores:

 

Talita Ferreira Gomes da Silva:  Doutoranda e Mestra em Estudos Literários pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pós-graduada em Revisão Textual e em Educação, Gêneros e Sexualidade pela Faculdade Iguaçu. Graduada em Letras: Português pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Temas de interesse: Crítica Literária Feminista, Literatura de Autoria Feminina e Literatura Brasileira.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/3405694202753813

 

Elena Santi: Professora efetiva da Universidade Federal de Juiz de Fora. Possui Doutorado em Literatura pela  Universidade Federal de Santa Catarina (2019), Mestrado em Italianística pela Università di Bologna (2014), bacharelado em Letras pela Università di Bologna (2011) e Licenciatura em Letras - Italiano pela Universidade Federal de Santa Catarina (2019). Atua na graduação em Letras, segunda habilitação: Licenciatura em italiano e no Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/3511156363448552

 

 

SIMPÓSIO 10

MODALIDADE PRESENCIAL

 

A LITERATURA AFRO-ITALIANA E SUAS POSSIBILIDADES EPISTÊMICAS: OUTROS OLHARES PARA A ITÁLIA NEGRA

 

No texto O direito à literatura, o teórico e crítico literário brasileiro Antônio Cândido afirma que a literatura é uma necessidade universal dos seres humanos, pois “[n]ão há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem possibilidade de entrar em contacto com alguma espécie de fabulação” (Cândido, 2011[1965], p. 176). A literatura, desse modo, mostra-se fundamental no processo de humanização do ser humano, por atuar como uma ferramenta de instrução e educação social, haja vista a presença de uma sorte de elementos que, a partir das manifestações poéticas, ficcionais e dramáticas, tanto imperam nas sociedades, quanto buscam compreender a própria experiência do social, produzindo obras imbuídas de crenças, normas, sentimentos, concepções éticas e morais, cosmovisões outras de mundo etc. (Cândido, 2011[1965]). Em se tratando de literaturas italianas, para além do que se agencia como pertencente ao cânone nacional e/ou universal, despontam, desde as últimas décadas do século XX e com uma profusão maior atualmente, a publicação de produções literárias, artísticas e intelectuais de africana(os) e afrodescendentes que se apropriam da língua italiana – da língua do invasor colonial – como um dispositivo de transmissão de “[...] um contra-discurso à literatura produzida pela cultura hegemônica” (Evaristo, 2009, p. 27), pois suas produções são infundidas de narrativas individuais e coletivas de seus sujeitos produtores, além de trazerem consigo experiências e experimentações diversas que se capilarizam através da forma, estética, conteúdo e usos de linguagem/ns (Vicente, 2023). Essa produção forjada em diáspora recebe o nome de literatura afro-italiana, e vem se evidenciando um espaço profícuo e desafiador de estudos. Dentre seus principais temas abordados, encontram-se: raça/racismo, violência de gênero, subalternidades, africanidades, identidade, imigração, colonialismo italiano em África e, em especial, a experiência de ser uma pessoa negra na Itália – como fez Pap Khouma, o primeiro escritor afro-italiano a conseguir adentrar a um mercado editorial europeu, conservador e branco –. Ademais, tais produções preocupam-se em trazer à tona as histórias dos países que outrora foram colonizados e ocupados pela Itália, e cujas narrativas de ocupação, colonização, violação da dignidade humana, de direitos e tratados internacionais são intencionalmente negligenciadas, invisibilizadas e silenciadas pela historiografia clássica, tais como: Etiópia, Eritréia, Somália e Líbia. De alguns desses países, evidenciam-se nomes como: Elisa Kidané, Angelica Pesarini e Erminia Dell’Oro, que possuem uma origem eritreia; Igiaba Scego e Ubah Cristina Ali Farah, ambas de ascendência somáli; Gabriela Ghermandi, da Etiópia; Djarah Kan, de origem ganense; Oiza Queens Days e Sabrina Efionayi, de origem nigeriana; Antonio Dikele Distefano, de ascendência angolana; Alimatou Sall e Diouf Abdou Mbacke, ambos de origem senegalense; Anna Maria Gehnyei, de ascendência liberiana; Tay Vines, do Togo; dentre outra(o)s. Essas e esses escritores, artistas e intelectuais, por meio de seus trabalhos, buscam remontar a um passado colonial italiano e suas consequências até os dias atuais, a fim de trazerem à cena histórias e estórias que foram soterradas e silenciadas pela historiografia italiana que objetivava perpetuar e reforçar a ideia de italiani brava gente. Assim, essas produções configuram-se como espaços de uma “resistência visceral”, que se alicerça na intenção de desnudar iniquidades sociais e de desmascarar as brutalidades do poder hegemônico contra os corpos, e, em especial, aos corpos negros. A literatura, por essa razão, transforma-se em instrumento capaz de “estiletear espaço na invisibilidade, no silêncio e no esquecimento promovidos pelas estruturas dominadoras de poder” (Vicente, 2023, p. 86); rasurando, assim, a ausência e “a tentativa do poder de relegar ao silêncio as vozes que não quer ouvir” (Mbembe, 2019, p. 17-18). Logo, pode-se ler tais produções como uma reação de enfrentamento às violências perpetradas aos corpos afro-italianos, à sua memória, suas epistemes, ontologias, subjetividades e à sua identidade, ao passo que procuram dilacerar o silenciamento – pois “[e]scolher escrever é rejeitar o silêncio” (Adichie, 2015, p. 48) –, do discurso histórico único (Adichie, 2019) e resistir ao epistemicídio. Já no que tange às pesquisas e projetos nacionais no âmbito da pós-graduação, iniciação científica ou de extensão que tomam essas produções como corpus, destaca-se uma crescente nos últimos anos (Ferreira, 2019; Landulfo, 2021, 2022; Vicente, 2023; Virgens, 2024, Viana, 2025; Vianna, 2025; dentre outros), tendo sido precursores na área os trabalhos desenvolvidos pela pesquisadora Márcia de Almeida (2016; 2017; 2019; 2020), professora aposentada da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Grande parte dessas pesquisas, buscam (re)conhecer e dar visibilidade às narrativas que partem de outros olhares que não aqueles do colonizador, do homem branco europeu. Assim, este simpósio tem o propósito de unir professora(e)s, aluna(o)s, pesquisadora(e)s e tradutora(e)s das mais diversas perspectivas teóricas de análise, que tenham realizado/realizam trabalhos voltados para as produções literárias afro-italianas, não apenas percebendo-as como um objeto de deleite, mas que compreendo seu papel socializador, político, transformador e capaz de desestabilizar para humanizar. Afinal, a população afro-italiana vem se destacando e aquilombando-se, assim como sugeriu Nascimento (2002[1980]), resistindo com a coletividade, ocupando território, resgatando a ancestralidade, (re)construindo as comunidades diaspóricas, recuperando as suas narrativas, contando e cantando histórias (Vicente; Landulfo, 2024).

 

Referências

 

ADICHIE, C. N. Sejamos todos feministas. Trad. Christina Baum. 1. ed. São Paulo: 

Companhia das Letras, 2015.

ADICHIE, C. N. O perigo de uma história única. Trad. Julia Romeu. São Paulo: 

Companhia das Letras, 2019.

CANDIDO, A. O direito à literatura. In: CANDIDO, A. Vários escritos. 5. ed. Rio de 

Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011[1965]. p. 171-193.

EVARISTO, C. Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. Scripta, Belo 

Horizonte, v. 13, n. 25, p. 17-31, 2009. Disponível em: 

http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/4365. Acesso em: 17 abr. 

2025.

MBEMBE, A. Poder brutal, resistência visceral. São Paulo: N-1 edições, 2019. 26 p.

NASCIMENTO, A. O Quilombismo. Petrópolis: Vozes, 2002[1980].

VICENTE, B. F. Pelas ruas, becos e encruzilhadas da identidade: as relações da memória, corpo e espaço em “Minha casa é onde estou”, de Igiaba Scego. 2023. 143 f. Dissertação (Mestrado em Literatura e Cultura) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, 2023.

VICENTE, B. F.; LANDULFO, C. Afroitalianidade. In: LANDULFO, C.; MATOS, D. (Orgs.). Suleando conceitos em linguagens: decolonialidades e epistemologias outras. Prefácio de Glenda Cristina Valim de Melo. 1. ed. Campinas: Pontes Editores, 2024. v. 2, p. 39-50.

 

Resumo biográfico dos autores:

 

Cristiane Landulfo (UFBA): Professora de Língua e Literaturas Italianas da Universidade Federal da Bahia. Atua como Docente do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura (PPGLinC/UFBA). É Doutora em Língua e Cultura pela UFBA, e realizou estágio pós-doutoral na Universidade Federal de Sergipe, com residência na Universidade de Primorska e na Università di Bologna.

 

Bruno Ferreira Vicente (UFBA): Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura (PPGLitCult), na linha de Crítica e Processos de Criação em Diversas Linguagens, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). É mestre em Literatura e Cultura pelo PPGLitCult/UFBA. Ainda pela UFBA, possui bacharelado em Letras - Língua Estrangeira Moderna ou Clássica (Italiano).

 

 

SIMPÓSIO 11

MODALIDADE PRESENCIAL

 

Poéticas da dissonância: encruzilhadas entre jazz e literatura

 

O simpósio temático “Poéticas da dissonância: encruzilhadas entre jazz e literatura” propõe-se a explorar as diversas relações entre jazz (nas suas múltiplas e por vezes contraditórias definições) e literatura, tendo como eixo condutor suas interconexões com o pensamento afrodiaspórico. Interconexões que afloram, de forma inspiradora, no pensamento de Franz Fanon e de Amiri Baraka.

No âmbito da literatura, o jazz se faz presente de múltiplas formas desde, no mínimo, o movimento conhecido como Harlem Renaissance nos anos 1920 e 1930, tendo como um dos principais expoentes Langston Hughes, cuja poesia foi recentemente traduzida no Brasil por Leo Gonçalves (Hughes, 2023). Toni Morrison, uma das principais referências da prosa afroamericana e Prêmio Nobel de Literatura em 1993, publicou um romance intitulado “Jazz”, cuja história se desenvolve incidentalmente no Harlem dos anos 1920, parte da trilogia iniciada com o aclamado Amada (“Beloved”). Os poetas Beat ou beatniks dos anos 1950 eram obcecados com o Jazz moderno (Bebop, Hard Bob etc), colaborando por vezes com músicos em apresentações ao vivo e gravações. A conexão poesia Beat/Jazz moderno toma uma feição explicitamente afrodiaspórica na obra poética de Amiri Baraka, desde o momento no qual ainda assinava como LeRoy Jones. A relação do jazz com a poesia falada será ainda mais enfatizada no trabalho de Gil-Scott Heron e do coletivo The last poets, muitas vezes evocado como um precursor do rap. Conexão de mão dupla, na medida em que a difusão internacional da cultura hip hop acabou por tornar a poesia slam um fenômeno igualmente global. Também no Brasil, o jazz, concebido a partir de uma perspectiva afrodiaspórica, tem sido uma referência constante na poesia de Edimilson de Almeida Pereira, que publicou recentemente A morte também aprecia o jazz (2023), e de Ricardo Aleixo, que menciona várias vezes o jazz como referência em seu livro de memórias Sonhei com o anjo da guarda o resto da noite (2022), entre outros.

Diversas vertentes da música popular brasileira têm estabelecido diálogos de vários tipos com as tradições relacionadas com o jazz, no mínimo desde o momento em que Pixinguinha, depois de ouvir um jazz-band em Paris, começa a alternar seu virtuosismo entre a flauta e um dos instrumentos emblemas do gênero musical estadunidense, o saxofone. Nas décadas posteriores, os arranjadores da insipiente indústria brasileira da música começam a incorporar elementos estilísticos do swing das big bands, culminando na emergência do “samba de boate” do início dos anos 1950, simbolizado por Dolores Duran, antecedente direto da Bossa Nova. Este último movimento musical marca o primeiro momento em que a interação entre a música brasileira e o jazz se torna verdadeiramente recíproca. No entanto, é também um momento em que se acusa certo embranquecimento da música brasileira, apesar das presenças fundamentais de Johnny Alf, Baden Powell e Elizeth Cardoso, e, mais ainda, sua “americanização”. Paradoxalmente, o jazz se torna mercadoria de exportação e embaixador cultural do poderio imperial estadunidense ao mesmo tempo que se torna símbolo de uma contracultura da modernidade no âmbito do que Paul Gilroy (2001) chama Atlântico Negro – tudo isso a partir de um país no qual a segregação racial ainda era objetivo explícito da legislação até meados dos anos 1960. Seguindo a confluência afrodiaspórica entre música brasileira e jazz, nas décadas seguintes, Elza Soares incorpora o scat singing no Samba; Raul de Souza, entre outros, toma o hard bop como referência de um variante quente do samba-jazz; o maestro Moacir Santos funde as sonoridades do culto aos Orixás nos seus ousados arranjos de big band (direção que será desenvolvida posteriormente por Letieres Leite); Naná Vasconcelos colabora com figuras de proa do Free Jazz, como Don Cherry; Luiz Melodia, oriundo de um dos berços do Samba carioca – o morro do Estácio – , incorpora a tradição do jazz vocal na sua variante personalíssima de MPB; os mestres da melodia Milton Nascimento e Wayne Shorter desenvolvem colaborações. Dentre os múltiplos trabalhos recentes nos quais as tradições jazzísticas e brasileiras se encontram, podemos destacar o duo Rádio Diáspora, que traz para o primeiro plano a confluência entre sonoridades pan-diaspóricas, a trajetória política e poética dos movimentos negros brasileiro e internacional e a experimentalidade radical do free jazz.

As menções ao jazz, na obra de Fanon, são esparsas e fragmentárias. Nem por isso essas menções deixam de estar conectadas com “seu pensamento, com sua trajetória intelectual e militante” (Ribeiro Júnior, 2024, p. 05). O jazz aparece nos escritos de Fanon, mesmo que indiretamente, antes mesmo da publicação de Pele negra, máscaras brancas (1952), seu primeiro livro. Nas obras dramatúrgicas O olho que se afoga e Mãos paralelas, escritas entre 1946 e 1951, enquanto Fanon era estudante de psiquiatria em Lyon, a verve jazzística emerge na superfície do texto: nessas peças “testemunhamos (…) a busca incessante de uma linguagem que fira a carne e convoque o corpo ao ato, como o vibrato do bebop ou a dissonância agonizante do hard bop” (Faustino, 2022, p. 23). Estilística que será reincidente em obras futuras, e que dá o tom do modo como o jazz é compreendido por Fanon: em sua faceta moderna, sobretudo com o bebop, ele apresenta qualidades disruptivas e questionadoras, potencialmente capazes de, ao mesmo tempo, desfazer a imagem racializada da arte negra comercial norte-americana e fomentar o estabelecimento de uma liberdade artística capaz de romper com os grilhões ideológicos coloniais.

Convidamos pesquisadoras e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento a contribuírem com trabalhos que correlacionem jazz, literatura e pensamento afrodiaspórico.

 

Referências

 

ALEIXO, Ricardo. Sonhei com o anjo da guarda o resto da noite. São Paulo: Todavia, 2022.

BARAKA, Amiri (JONES, LeRoi). Dutchman and The Slave. New York: Morrow Quill Paperbacks, 1964.

BARAKA, Amiri (JONES, LeRoi). O jazz e a sua influência na cultura americana. Trad. Affonso Blacheyre. Rio de Janeiro: Record, 1967.

BARAKA, Amiri (JONES, LeRoi). Four Black Revolutionary Plays: All Praises to the Black Man. Indianapolis/New York: The Bobbs-Merrill Company, 1969.

BARAKA, Amiri (JONES, LeRoi). The Baptism and the Toilet. New York: Grove Press, Inc., 1978.

BARAKA, Amiri (JONES, LeRoi). Selected Plays and Prose of Amiri Barama/LeRoi Jones. New York: William Morrow and Company, Inc., 1979.

BARAKA, Amiri (JONES, LeRoi). The Fiction of LeRoi Jones/Amiri Baraka. Chicago: Lawrence Hill Books, 2000.

BARAKA, Amiri (JONES, LeRoi). Black Music: Free Jazz e consciência negra 1959-1967. Trad. André Capilé. São Paulo: sobinfluencia edições, 2023.

CRUZ, Adélcio de Sousa. Afro-brasilidade urbana: poética da diáspora em performance. In: ALEXANDRE, Marcos Antônio (org.). Representações performáticas brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007. p. 120-138.

CRUZ, Adélcio de Sousa. Canto-poema e samba-blues: estratégias poéticas afrodescendentes na poesia de Edimilson de Almeida Pereira. Literafro, Belo Horizonte, out. 2017.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Trad. Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA,

2008.

FANON, Frantz. Os condenados da terra. trad. Elnice Albergaria Rocha e Lucy Magalhães. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2010.

FANON, Frantz. O olho se afoga / Mãos paralelas: teatro filosófico. Trad. Edson César Sobrinho. Salvador: Segundo Selo, 2020.

FANON, Frantz. Por uma revolução africana: textos políticos. Trad. Carlos Alberto Medeiros.

Rio de Janeiro: Zahar, 2021.

FAUSTINO, Deivison. Franz Fanon e as encruzilhadas: teoria, política e subjetividade. São Paulo: Ubu, 2022.

GILROY, PAUL. O atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Trad. Cid Knipel Moreira. Rio de Janeiro: Editora 34, 2001.

HUGHES, Langston. O negro declara e outros poemas. Trad. Leo Gonçalves, Davi Boaventura e Ricardo Aleixo. São Paulo: Pinard, 2023.

PEREIRA, Edimilson de Almeida. Ze osório Blues: Obra poética 1. Belo Horizonte: Mazza, 2002.

PEREIRA, Edimilson de Almeida. A morte também aprecia o jazz. São Paulo: Fósforo, 2023.

RIBEIRO JÚNIOR, Antônio Carlos Araújo. It’s nation time! Jazz, raça e política nos escritos de Frantz Fanon e Amiri Baraka (1950-1970). Revista de História, São Paulo, n.183, 2024, p. 1-38.

 

Resumo biográfico dos autores:

 

Miguel Ávila Duarte (Unicamp): professor e pesquisador, pós-doutorando pela Unicamp, doutor e mestre pela UFMG na área de Literatura. Com o pseudônimo Miguel Javaral, atua também como músico e escritor.

 

Rafael Sellamano (UFMG): Doutor em Filosofia pela UFMG, com estágio doutoral na Université Paris 1 panthéon-sorbonne. Atua como professor voluntário no Departamento de Filosofia da UFMG.

 

Rômulo Alexis Inácio (USP): historiador, mestre e doutorando em Musicologia/Sonologia pela ECA/USP. Atua com criação musical em tempo real, performance multilinguagens, produção cultural e curadoria. Integra o duo Radio Diaspora e lidera o projeto coral de improviso Máquina Vocal.

 

 

SIMPÓSIO 12

MODALIDADE PRESENCIAL

 

Linguagens, vidas e presenças dos Terreiros

 

Este simpósio se pretende um espaço de partilha e enunciação de reflexões, de experiências e de investigações assentadas em epistemologias de Terreiro. Considerando que em Frantz Fanon (2022) a linguagem é movimento de violência para a cura, na medida em que é uma abertura para a transgressão, a transformação e o desrecalcamento; e considerando que Exu é Linguagem (RUFINO, 2019), propomos pensar nas experiências dos corpos aquilombados, aldeados em seus lugares de cura, insurgência e invenção de outras formas de ser e aprender. Queremos construir com esse simpósio, um lugar de escuta-poética, afeto-ético e sensibilidade-política. Um lugar para exercer a função crítica da linguagem, de modo a elaborar a culpa compulsória lançada nos corpos colonizados, pautando e tonificando a luta para libertação individual e coletiva. Um lugar para que as vozes, as poéticas, as tecnologias e as gramáticas subalternizadas reverberem na construção de estratégias de curas contra os racismos e a colonialidade. A ideia básica é ouvir as aldeias, os quilombos e suas gentes; escutar as quebradas, seus becos e vielas; bem como deixar falar os saberes das encruzilhadas com marafos e padês arriados. Ou seja, a proposta é ouvir as afrofonias que ecoam nos barracões assentados Brasil afora, sejam eles Terreiros ou Escolas de Samba. Ouvir as poéticas dos corpos em movimento e as formas como reinventam a vida e como driblam a morte em vida produzida pelo Estado. Queremos ouvir até mesmo sobre os silêncios. Não só aqueles produzidos pelas “máquinas de morte” necropolíticas, mas sobretudo aqueles que nos são sagrados e táticos. Silêncios necessários. Silêncios ociosos produtores de desassossegos e desrecalcamentos. Estes que, de tão inquietantes, provocam chacoalhões em nós e na sociedade. Entendendo o axé como força viva que ensina no cotidiano, interessa aqui congregar camaradas de várias áreas para (re)pensar acerca do que se tem produzido sobre os encontros e desencontros dessas epistemologias, gramáticas, artes e tecnologias imantadas de axé. Bem como, trocar sobre como isso tudo transforma os ambientes escolares, acadêmicos, artísticos; sobre como se opõem à força e rigidez da tradição; como se dão as resistências cotidianas e como se cruzam religião, arte, política, raça, classe, gênero, sexualidade e educação nas lutas de libertação. Guiados pela sabedoria rebelde e pela destreza poética/ética/política do Preto Velho Fanon, objetivamos saber das histórias miúdas (SIMAS, 2019), aquelas escovadas a contrapelo. A pedrinha miudinha que acertou o pássaro ontem, mas que só será lançada amanhã. Interessa pensar em como esses saberes se manifestam em rituais, danças, cantos, cuidados e resistências cotidianas, e em como tais práticas podem se imiscuir cada vez mais nos ambiente escolar, acadêmico e artístico. Este simpósio, portanto, é um convite à escuta atenta e ao movimento partilhado/cruzado/político. Um chamado para um rolê epistemológico. Um ebó. Que possamos assim, neste encontro, firmar uma corrente para baixar conhecimentos Outros. Que cada fala seja como um toque de atabaque — firme, vibrante, com memória e direção. Que cada silêncio seja respeitado como reza. Nos interessa o gesto, a imagem, o som, a palavra de corpos que gargalham e cospem, cujo ponto que se risca se recusa a ser traduzido na linguagem do colono. Interessa o avesso, o rastro, o cheiro, o bafo e a saliva. Que nos inspiremos na amefricanidade que nos atravessa e nos constitui nas fissuras das fronteiras coloniais, e que nos constituamos nas frestas que se tornam territórios repletos de sentidos próprios e insurgentes, como o pretoguês da gente. Que seja inspiração a escrevivências, onde a memória se faz carne e narrativa, e onde a dor se transmuta em linguagens, vidas e presenças. E que lembremos das denúncias, das lutas, das políticas, das escritas, das falas, das apresentações, das enunciações de Maria Firmina dos Reis, Luiz Gama, Carolina Maria de Jesus, Sueli Carneiro, Beatriz Nascimento, Abdias do Nascimento, Aimé Cesaire, Leda Maria Martins, Vanda Machado, Ailton Krenak, Daniel Munduruku, Petronilha, Brisa de La Condillera (Brisa Flow)..., que nos convocam a reconhecer o racismo como um discurso/gramática/tecnologia de apagamentos e desmantelamentos, como também nos impulsionam a forjar/criar/inventar existências éticas, poéticas e políticas em prol da dignidade e justiça dos grupos historicamente minorizados. Nesse sentido, as literaturas, as artes, as linguagens negras e indígenas têm lugar importante porque nos inspiram outras formas de narrar nossas histórias, consequentemente fundam e pautam a memória, o pertencimento e a disputa. A partir delas, encontramos formas de resistir, existir e manter pululante a ancestralidade nas lutas. Escrever para viver. Recontar para não esquecer. Que este simpósio seja, assim, um quilombo-tempo. Um terreiro-palavra. Um corpo-escola. Um rolê, um cruzo e um ebó. Um espaço de presenças e potências, onde as pedagogias de Terreiros possam se afirmar como ciências vivas, saberes insurgentes e éticas de encantamentos. Que seja um lugar plural em que possamos, com a licença dos mais velhos e mais novos, abrir caminhos com o corpo, palavras e poéticas. 

 

Referências

 

FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Zahar, 2022.

RUFINO, Luiz. Pedagogia das encruzilhadas. Mórula, 2019.

SIMAS, Luiz Antonio. O corpo encantado das ruas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019.

 

Karina Constantino Brisolla (UFPel): É Bacharela em Produção e Política Cultural pela UNIPAMPA (2021) e Mestra em Artes Visuais pela UFPel (2023). Atualmente é doutoranda em Educação na UFPel e bolsista Capes. Integra o Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Arte Linguagem e Subjetividade (GIPNALS). É artista-educadora e integrante do Grupo Cultural Abi Axé e é Ìyàwó no Ilê Axé Mãe Nice D’Xangô. Coordena o ebó nas encruza.

 

Walker Douglas Pincerati (UFTPR): É, atualmente, Professor Adjunto (04/2021 - atual) na UTFPR. É Bacharel (2007), Mestre (2009) e Doutor em Linguística (2015) pelo IEL/UNICAMP. Tem experiência em Estudos da Linguagem, com foco em Linguística, Discurso e Psicanálise. Coordena o “ebó nas encruza”, o NEABI UTFPR Curitiba Diva Guimarães e os “Inscritos na Psicanálise” (Outrarte-UNICAMP).

{{viewModel.evento.titulo}}

{{viewModel.evento.responsavelEvento}}