
Universidade Federal do Paraná - Curitiba - Paraná - Brasil
Com transmissão online
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QUARTA-FEIRA, 26/02/2025
09:00 às 12:00 - Defesa de Dissertação - UFPR (Anfi 400, DPI)
ALMOÇO
13:30 às 16:00 e 16:30 às 19:00 - Mesas de Conferências - UFPR (Anfi 400, DPI)
Filosofia brasileira e... Nietzsche? Curiosa combinação. Um pensador que nunca pisou nosso solo, que na totalidade de seus escritos se refere mais ao nosso então imperador lusitano que ao país, que nunca pensou o Brasil, que via na colonização a solução para o problema da superpopulação europeia (A 206)... o que teria a contribuir para nossa filosofia? O que teria o filósofo da vontade de poder de frutífero para uma nação historicamente submetida a uma intransigente vontade de colonização?
Pasmem: muito. Pois não há um Nietzsche, mas vários Nietzsches. Eis a grande riqueza de sua filosofia: ao constituir-se numa série de experimentos (Versuche) perspectivísticos, trocas de pele, mudanças de ótica, o filósofo do martelo, fazendo desmoronar também a própria pretensão filosófica à verdade, abre sua própria filosofia a marteladas. Pede, nesse sentido, que seus leitores sejam mais que leitores, que sejam interlocutores (BM 22, GM, Prólogo, Za, Da virtude que presenteia, 3, etc.), que o leiam perspectivamente, desde seu ponto de vista, seu lugar de fala, poderíamos dizer. Sua filosofia, nesse sentido, não busca estabelecer verdades, fazendo-se isso sim aberta a diversas interpretações, mesmo a ser dominada por uma vontade de poder que a possa ressignificar. Podemos assim, nos apoderando de Nietzsche – é dizer, impondo perspectivamente, como não poderia deixar de ser num mundo em que só há interpretações, significado nosso a suas palavras – pensar a constituição do rebanho brasileiro, tão diferente do europeu; nossa moral, composta também numa relação entre senhor e escravo, que era entretanto outra escravidão; a suposta universalidade da filosofia, que se para ele era um problema epistemológico, para nós é político, de nossa dependência intelectual e filosófica; e tantas outras questões quantas leituras há de Nietzsche no Brasil. Isso implica, é claro, que tenhamos a força necessária para ta apropriação, para assenhorearmo-nos de Nietzsche… mas ele bem sabia que não era pouca a exigência que colocava sobre seus leitores.
Interessante ainda é perceber que, ao colocar a filosofia em perspectiva, Nietzsche coloca a possibilidade/necessidade de se compreender também o caráter perspectivista de nossa própria filosofia. Se todo conhecer se dá desde um corpo, de uma localização histórica, de uma perspectiva determinada por certos interesses referentes ao existir daquele que conhece, torna-se inegável: não há um Brasil, ou uma filosofia brasileira, mas Brasis e filosofias brasileiras. Eis então a única maneira de pensar o Brasil: de diversas maneiras – levando em conta a pluralidade de perspectivas que nos compõe. Perspectivando, ampliando os pontos de vista, vendo de maneira sempre nova: isso para a superação da objetividade moderna (GM III 12). Decorre disso também outra importante obviedade: Nietzsche não é suficiente.
Com efeito, formam-se, no Brasil, escolas de pensamento. As tradições proliferam: os 200 anos de universidade no Brasil lutam com os mais de 500 anos de escravidão. Hoje em dia, a digestão da filosofia mundial, das que vem de fora, em filosofia brasileira atinge o que talvez seria o seu ápice pulverizacional: as pesquisas sustentadas nas universidades tomam nota do seu tempo histórico, direta ou indiretamente. Eventos tais como este colóquio estimulam e são estimulados por pesquisas que, de dentro da disciplina filosófica, colidem com um fervor inimaginável. Qual é o legado? Uma pergunta que jamais cessará de surgir.
Os clássicos, para bem e para mal, por muito tempo ainda serão “os clássicos”. A diferença se dá pela maneira de abordagem. O quão críticos podemos ser em relação a eles? O quanto de sua “interpretação brasileira” será vista como traição? O quanto dessa traição faz força para o começo de novas tradições? Sem dúvidas, o caráter multiplicitário da filosofia brasileira traz à tona a extemporaneidade de seus pensamentos. Cada pesquisa, se pudéssemos falar assim, digere, à sua maneira, aquilo que vem de fora. Mas e o “dentro”? Seria oco? Ou seria preenchido com uma matéria ainda inominável? Ah, sim! O futuro!
O futuro, os clássicos… tudo que soa familiar e bem constituído em nossos ouvidos é antes passível de dúvida. Talvez, se bem forçarmos a visão, não veremos diferenças tão nítidas entre o passado e o futuro, entre o datado e o vir-a-ser, entre o que fortemente nos constitui e o que será, matéria colorida e infinda, conclusão e próxima etapa de quem somos. Mas por que, afinal? Pelo simples fato de que sabemos tão pouco do que já foi quanto temos certeza do que virá: as nuances da história, das escolhas de narrativa, a sobrevivência de certos fragmentos, a citação de autores específicos…
Quando Simplício citou Parmênides de Eleia, recuperando o filósofo pré-socrático para responder à Física aristotélica, o que tinha em mãos? Era ele o guardião do poema de instituição do “Ser” que nunca nos chegou? Tinha, em seus pergaminhos, a palavra escrita direta, não fragmentária, do eleata? Qual foi o fantasma que sussurrou em seu ouvido? Por qual motivo recuperar tão fielmente somente alguns trechos?... Em fato, se um espectro rondava Simplício, poderia ser um menos opaco do que o que temos hoje: fragmentos, restos, unidos por uma cola filológica e fundidos no aço da curiosidade filosófica: o incompleto, o problemático, o tão isento de certezas, o poema do Ser!
Se é tão incerto o passado, se é tão incerto o futuro, quem somos nós diante de ambos? Se Platão também citou Parmênides, se Aristóteles também o fez, mas de seu próprio modo, que atitude tomaremos? Se não há um caminho nítido e muito claro, ficaremos na selva, úmidos e abandonados? Seremos a citação da citação, o comentário dos comentários? Ah, quem dera tivéssemos a força necessária para darmos este salto, pegarmos a alma do texto fragmentário, olharmos para nós mesmos, bradarmos sem culpa e sem medo, e com a força que lembra Ogum guerreiro, atravessarmos, sem dó ou receio, rompermos esse mato!
Quem dera se tivéssemos a força de nossos marxistas, que já há mais de um século compreenderam em que medida é necessário dialetizar uma teoria estrangeira para poder aplicá-la à nossa realidade - mas não decorreria isso do próprio caráter materialista dessa teoria? Quem dera tivéssemos a força dos povos oprimidos no processo colonial que nos formou, que resistiram até hoje e ainda hoje resistem à invasão; e também a força de nossas filósofas, que sempre tiveram de disputar seu espaço num meio tão masculino - mas será que não temos? É dizer: quem dera fossemos uma academia mais plural, mais feminina, mais negra e indígena, mais brasileira - mas será que já não somos?
Teremos ainda que nos haver com outras perguntas: afinal, as nossas interpretações serão mesmo filosofia? A pesquisa acadêmica brasileira sobre um filósofo que viveu e problematizou a sua época, poderá ser mesmo considerada filosofia, ou ainda, brasileira? Qual o jeito certo de filosofar? Uma filosofia feita de outra maneira que à moda ocidental não será qualquer coisa diferente da Filosofia – com F? Por que ser Filosofia?
Pasmem: tudo isso é Filosofia Brasileira, e muito mais. É filosofia brasileira também a infinidade de saberes ancestrais renegados pela academia, que hoje encontram, em novos corpos, novas entradas; é filosofia brasileira o saber popular, a literatura de nossos literatos filósofos, a música que nos cantou e canta, o cinema que nos mostra o que há de bom e mal em nossos Brasis – e muito, muito mais. Eis o perspectivismo brasileiro, a nova aurora de nossa filosofia. É sobre essa pluralidade que, nesse texto composto a várias mãos, várias perspectivas, convidamos a comunidade acadêmica brasileira a vir perspectivar conosco no dia 27/02/2025. Façamos filosofia – brasileira!
Allisson Morona de Faveri (UFPR)
Antonio Edmilson Paschoal (UFPR)
Gabriel Pereira Gioppo (UFPR)
Hailton Guiomarino (UFPA)
Matheus Pedrini (UFPR)
Pedro Dallacosta Chiarani (UFPR)
Vinicius Edart (UFPR)