A América Latina possui uma história marcada fortemente por violações de direitos humanos, desde a invasão e colonização europeias até os dias atuais. As ditaduras de Segurança Nacional impostas na região durante as décadas de 1960, 1970 e 1980, com forte apoio estadunidense, foram fruto do contexto de Guerra Fria e do medo das classes dominantes latino-americanas e dos governos estadunidenses do período em relação à possibilidade de ocorrência de revoluções socialistas inspiradas na vitória popular que marcou a Revolução Cubana em 1959. Assim, por meio de torturas, assassinatos, “desaparecimentos”, expurgos, cassações, sequestros e prisões, dentre diversas outras formas repressivas, regimes ditatoriais, em sua maioria liderados por militares e com participação civil decisiva, foram implantados em países latino-americanos, com o apoio estadunidense e de setores nacionais dominantes e médios, como no Brasil (1964), Bolívia (1964 e 1971), Chile (1973), Uruguai (1973), Argentina (1966 e 1976) e Peru (1968).
Vinculadas às estruturas repressivas militares, paramilitares e civis, extensas redes de vigilância e consideráveis investimentos em propaganda e censura garantiram, ainda que em diferentes graus e de diversos modos, a vigência daquelas ditaduras. Nada disso, entretanto, ocorreu sem resistências diversas no tempo e no espaço, as quais, muitas vezes, cobraram um alto preço das pessoas que optaram por se arriscar em nome de ideais de democracia, liberdade, autonomia e justiça social.
O cinema, não raro, foi alvo de intensas e sistemáticas ações de censura. Ainda assim, constituiu um veículo de denúncia e fomento à rememoração e à reflexão sobre aquelas atrocidades e violações dos direitos humanos promovidas em nome do capitalismo e do pavor das camadas dominantes em relação a qualquer possibilidade de superação do sistema do capital, como refere Mészáros.
Após o fim daquelas ditaduras e os processos de redemocratização comumente conturbados ou inacabados, o cinema seguiu abordando a temática das ditaduras militares na América Latina daquele período, através de filmes que, por meio da arte, buscavam contribuir, nas “batalha de memórias”, contra os silenciamentos, esquecimentos, revisionismos e negacionismos sistematicamente promovidos por setores interessados em ocultar suas constrangedoras vinculações com aquele passado traumático. Essa luta segue, como se sabe, ainda hoje, assim como as tentativas – por vezes bem-sucedidas – de golpes de Estado e de ataques à democracia, às conquistas dos/as trabalhadores/as e aos direitos humanos. Basta lembrar, no caso brasileiro, do golpe de 2016 ou da recente tentativa de golpe de 2022/2023.
Tendo isso em vista, o Ciclo de debates Cinema e ditaduras na América Latina do século XX, promovido pelo Grupo de Estudos Marx, Classes Sociais, Estado, Ideologia e Revolução (URCA/CNPq), é uma tentativa de lutar, por meio da educação e do diálogo, pela democracia e pelos direitos humanos, contra a desmemória e a desinformação promovidas sistematicamente por grupos políticos avessos àqueles valores. Trata-se de um evento de extensão gratuito, aberto ao público mediante inscrições prévias e disponibilidade de vagas, que tem por objetivo contribuir com a defesa da democracia e dos direitos humanos através de diálogo, educação em direitos humanos e formação histórica de qualidade, junto à população do Crato e demais municípios do Cariri cearense.