DAS SESSÕES SECRETAS À “TRANSPARÊNCIA INDECENTE” DAS PORTAS ABERTAS: UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
DAS SESSÕES SECRETAS À “TRANSPARÊNCIA INDECENTE” DAS PORTAS ABERTAS: UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
Autores
  • Carlos Victor Nascimento dos Santos
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 11- Sociologia Política da Constituição
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/436601-das-sessoes-secretas-a-transparencia-indecente-das-portas-abertas---uma-introducao-a-historia-constitucional-br
ISSN
Palavras-Chave
Sessões secretas; Portas abertas; Supremo Tribunal de Justiça; Supremo Tribunal Federal; e História Constitucional brasileira.
Resumo
Em apertada síntese, a presente pesquisa objetiva produzir uma arqueologia da categoria “portas abertas” e, consequentemente, apresentar elementos capazes de facilitar a compreensão sobre o exercício da colegialidade nos tribunais brasileiros. Para tanto, foi produzida uma pesquisa historiográfica a partir da consulta aos anais do parlamento brasileiro de 1826 a 1828, leis e ordenanças anteriores e posteriores ao período indicado, além de análise bibliográfica sobre o tema. Como resultados, além da demonstração de tensões entre os Poderes de Estado, são apresentados dois importantes momentos para compreender o formato das sessões de julgamento nos tribunais: (i) o início de um “constitucionalismo brasileiro” e (ii) o processo de autonomização administrativa dos tribunais brasileiros. A demarcação destes momentos permitiu compreender como, em pouco menos de duzentos anos de história constitucional brasileira, os tribunais migraram de um formato em que (i) discutiam e deliberavam a portas fechadas, passando para um sistema misto em que discutiam em sessões secretas e deliberavam a portas abertas para (iii) um sistema em que discutem e deliberam a portas abertas com transmissão ao vivo por um canal próprio de televisão e em plataforma digital aberta como o Youtube. De forma mais detalhada, a pesquisa apresentada tem como objetivo apresentar elementos capazes de facilitar a compreensão acerca não apenas do funcionamento e exercício da colegialidade pelos tribunais brasileiros, mas também refletir a respeito do impacto que um sistema judicial forjado por múltiplas causas tem na produção de uma decisão judicial no país. Para tanto, buscou-se identificar inicialmente possíveis causas capazes de estimular que os monarcas apresentassem um plano de exercício do poder que passaria desde o reconhecimento de sua irresponsabilidade, como necessário ao exercício de suas funções, até o apoio e legitimidade para as suas ações (MARTÍN, 1999). Como uma das principais medidas de implementação do referido plano está a utilização do Judiciário, capaz de consagrar importantes princípios: lei, Justiça e preceitos divinos (FERREIRA, 2016). Assim, a cerimônia que materializava a realização das sessões de julgamento constituiria uma referência legitimadora básica na consolidação do pacto político (NIETO SORIA, 1993). Segundo a pesquisa realizada por FERREIRA (2016), no século XV, os conselhos e audiências que compunham o Judiciário foram reformulados para que atendessem o interesse centralizador dos monarcas e, como resultado, tornavam-se locais de diálogos entre reis e os procuradores da cidade (MARTÍN, 1999). É possível citar como exemplo o Reinado de Felipe II, na Espanha: segundo THOMPSON (1997), ao sofrer oposição política dentro das Cortes, que votavam contrários ao programa político de Felipe II, uma das medidas adotadas pelo monarca foi a de diminuir a autonomia administrativa dos tribunais, começando pela revogação do acordo que permitia as votações em segredo nos tribunais e ordenando uma votação aberta, diante dos olhos atentos do público. A medida adotada por Felipe II, em 18 de março de 1593, foi considerada um retrocesso à época. O contexto acima é importante para destacar que tais medidas influenciariam governos que passassem por situações semelhantes, ainda que diante de novos movimentos políticos, como a criação de uma Constituição capaz de regular todo o país. O que ocorreu no Brasil, no século XIX, sob o argumento de atribuição de maior publicidade e transparência aos atos dos magistrados, mas que se revelava necessário à implementação de projetos políticos e planos de governo. Assim, ocorreu no Brasil uma transição mais suave se comparado ao exemplo de Felipe II: da ocorrência de discussões e deliberações a portas fechadas, a Constituição Imperial outorgada por D. Pedro I determina que todos os atos do processo sejam públicos e que seja criado um Supremo Tribunal de Justiça. Durante a discussão do projeto de lei que criava o Supremo Tribunal de Justiça, é possível identificar ainda a seguinte tensão: apesar de D. Pedro I ter determinado que todos os atos do processo fossem públicos, os parlamentares entenderam que a discussão deveria ocorrer em sessão secreta com a votação a portas abertas. A medida agradava tanto o Poder Executivo e o Moderador, que criava uma forma de constranger magistrados a votar em determinado sentido, quanto o Poder Legislativo, que conseguiu impor que a discussão, momento em que seriam apresentadas as razões de decidir dos magistrados, ocorressem em sessão secreta, enquanto medida necessária à preservação da independência do magistrado. No entanto, é necessário reforçar a ideia de que os debates sobre tais medidas no sistema judicial brasileiro foram também intensificados pela ideia de que, no Brasil, a produção de uma decisão judicial não é consensual, e sim à soma de votos. O que permite uma atenção especial ao sistema de votação, que deixa claro quais ministros foram responsáveis por aquela tomada de decisão que representará o posicionamento do tribunal perante as partes e demais órgãos da Administração Pública. Em outras palavras, pelo sistema de votação institucionalizado no país, saber quem foi que contribuiu para que a decisão fosse elaborada é tão importante quanto às próprias decisões judiciais produzidas, também por isso que o sistema de votação a portas abertas agradou tanto ao Poder Executivo e Moderador quanto ao Poder Legislativo. Apesar do enfraquecimento e submissão do Poder Judiciário da época, no final do século XIX, a instituição começa a se fortalecer ao caminhar para uma gestão própria a partir da concessão de maior autonomia administrativa para regular seus próprios atos e organizar a sua força de trabalho. E uma das medidas adotadas por este “novo” Judiciário foi a de produzir regimentos internos de seus órgãos. O Supremo Tribunal Federal, como uma das medidas a serem implementadas em seu regimento interno, institucionalizou nova dinâmica a ser impressa em suas sessões de julgamento: discussão e deliberação a portas abertas. Enquanto a medida era considerada um retrocesso no Reinado de Felipe II, na Espanha do século XVI, no Brasil do século XIX era considerada um avanço por se tratar de uma escolha de seus próprios membros em razão da autonomia administrativa conquistada e também por indicar insatisfação com o modelo que lhe foi imposto a décadas atrás pelos demais poderes da República. As referidas tensões entre os poderes da República foram determinantes ao modelo institucionalizado atualmente sobre a forma de produção das decisões judiciais do país, o que pode impactar diretamente no conteúdo das decisões produzidas, principalmente se considerarmos que a ideia introduzida pelas “portas abertas” foi tão alargada que há aproximadamente duas décadas as sessões de julgamento do Supremo Tribunal Federal passaram a ser transmitidas em tempo real para todo o mundo por meio da sua transmissão por um canal próprio de televisão – TV Justiça - e Youtube, tornando-se o primeiro tribunal no mundo a adotar tal postura. Neste ínterim, os brasileiros se acostumaram não apenas a assistir as discussões e deliberações do Supremo Tribunal Federal, mas a assistir entrevistas de seus ministros, ler artigos científicos publicados por eles em revistas de impacto e circulação acadêmica e, consequentemente, conhecer os seus posicionamentos sobre as demandas que ainda estavam julgando e, sobretudo, suas ideologias político-partidárias manifestadas por constantes ataques ou respostas a algum tipo de postura acometida pelos governantes e parlamentares brasileiros. Ao longo de quase dois séculos de um constitucionalismo ainda recente na história brasileira, o Poder Judiciário apresenta grandes transformações principalmente a partir de uma proeminência de seu principal órgão – o Supremo Tribunal Federal. Se em um primeiro momento é possível perceber as transformações das instituições judiciais brasileiras ao longo de dois séculos de um constitucionalismo no Brasil, nas últimas décadas é possível perceber uma mudança de postura e proeminência dos atores que compõem as instituições judiciais. O que ocorre tanto pela atuação singular de seus ministros dentro e fora do tribunal ou pelas decisões de grande repercussão social e política que o próprio tribunal produz. Em quase dois séculos de um ainda recente constitucionalismo brasileiro, falta ainda um importante capítulo a ser escrito na história constitucional brasileira: o impacto da atuação direta dos operadores do Direito na implementação do que entendem como princípios democráticos e republicanos. Mas esta é uma história ainda em construção, aguardemos. Referências: ALMEIDA, Fernando H. Mendes de. Ordenações Filipinas: Ordenações e leis do Reino de Portugal Recopiladas por mandato d’el Rei D. Filipe, o Primeiro. 1º vol. São Paulo: Edição Saraiva, 1957. BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Brasília: 1826-1828. BRASIL. Anais do Senado Federal. Brasília: 1826-1828. CONSTANT, Benjamin. Princípio de Política. Madrid: Aguilar, 1968. HESPANHA, Antônio. Manuel. História das Instituições: época medieval e moderna. Coimbra: Livraria Almedina, 2004. JORGE, André Lemos; e VELLOZO, Júlio César de Oliveira. Constituição, responsabilidade dos agentes públicos e a criação do Supremo Tribunal de Justiça (1826-1828). Revista de Informação Legislativa, ano 55, n.º 220, out./dez de 2018, p. 149-171. MARTÍN, J. L. Las cortes medievales. Madrid: Historia 16, s/d, 1999. NIETO SORIA, J. M. Ceremonias de la realeza. Madrid: Nerea, 1993. Ordenações Filipinas. Livro I, III e V. Disponível em: <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm>. Acesso em 10.jul.2019. THOMPSON, I. A. A. OPOSICIÓN POLÍTICA Y JUICIO DEL GOBIERNO EM LAS CORTES DE 1592-98. Studia H. Ha Moderna, 17, 1997, 37-62.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

SANTOS, Carlos Victor Nascimento dos. DAS SESSÕES SECRETAS À “TRANSPARÊNCIA INDECENTE” DAS PORTAS ABERTAS: UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/436601-DAS-SESSOES-SECRETAS-A-TRANSPARENCIA-INDECENTE-DAS-PORTAS-ABERTAS---UMA-INTRODUCAO-A-HISTORIA-CONSTITUCIONAL-BR. Acesso em: 23/03/2025

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