A BUSCA POR NATURALISMO NA NARRATIVA COMPLEXA DE HOMECOMING E SUA TRANSPOSIÇÃO DO PODCAST PARA A TV

Publicado em 23/12/2021

Título do Trabalho
A BUSCA POR NATURALISMO NA NARRATIVA COMPLEXA DE HOMECOMING E SUA TRANSPOSIÇÃO DO PODCAST PARA A TV
Autores
  • Daniel Gambaro
  • Nivaldo Ferraz
  • Thais Saraiva Ramos
Modalidade
Resumo Expandido e Trabalho Completo
Área temática
GT 32 - Estudos interdisciplinares de televisão
Data de Publicação
23/12/2021
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/xc22021/431416-a-busca-por-naturalismo-na-narrativa-complexa-de-homecoming-e-sua-transposicao-do-podcast-para-a-tv
ISSN
Palavras-Chave
Streaming, Podcast, Amazon Prime, Homecoming, Adaptação
Resumo
Introdução Nos últimos anos, as plataformas de streaming vêm ganhando espaço na pauta cotidiana de discussões. Com a maior demanda por conteúdo nessas plataformas, cresce também a oferta de produções diversificadas, de qualidade, superando um primeiro momento baseado na redistribuição de conteúdo proveniente de tradicionais produtores – como estúdios de cinema, canais de TV e emissoras de rádio. Esta investigação adentra essa seara por meio de um estudo comparativo de duas obras baseadas na mesma ideia, um podcast e uma série audiovisual para streaming. Homecoming, da produtora estadunidense Gimlet Media, estreou como podcast em novembro de 2016, e contou com uma segunda temporada (que fechou o arco dramático da série) em julho do ano seguinte. Em outubro de 2018 – ou seja, cerca de dois anos do sucesso inicial, a Amazon Prime Video lançou a primeira temporada da versão audiovisual, que reuniu os principais pontos das duas temporadas do podcast em 10 capítulos. A história gira em torno de dois personagens centrais: Heide Bergman, ex-funcionária (assistente social) em Homecoming, um programa criado para receber e reabilitar soldados estadunidenses que sofreram algum trauma por meio por meio de uma droga experimental; e Walter Cruz, um ex-soldado que integra o subgrupo atendido por Heide. São duas linhas de tempo: o passado, isto é, o momento em que Cruz está sendo tratado por Heide em 2017, e o presente, alguns anos depois de Heide descobrir que a droga apaga as memórias dos soldados para devolvê-los às zonas de combate; num ato de rebeldia, a assistente livra Cruz desse destino e apaga a própria memória com o mesmo medicamento. Mesclam-se à história pessoas encarregadas pelo experimento, como o personagem Colin Belfast, burocrata interessado no sucesso do projeto para vendê-lo ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos (DoD), e Thomas Carrasco, investigador do DoD que, no tempo presente, averígua os malfeitos de Homecoming. Acreditamos que essas obras ilustram o atual momento da produção midiática. Primeiro, demonstram a maior importância das plataformas na cadeia produtiva estadunidense, somando-se, ou mesmo substituindo, tradicionais players. Segundo, são capazes de atrair à sua órbita tanto público quando pessoas relevantes no cenário audiovisual: ambas as produções contaram com artistas consagrados de Hollywood. Em terceiro, representam exemplos de uma prática de consumo em que se percebe o interesse cada vez maior por narrativas complexas. 1. Metodologia e Fundamentação teórica Este trabalho é composto por uma a análise descritiva dos 12 capítulos da série em áudio, disponíveis em plataformas de streaming e dos 10 capítulos em vídeo da Amazon Prime. A análise observou dois conjuntos principais de elementos: a trama, a partir da articulação dos acontecimentos na construção de sentido; e os recursos de linguagem específicos a cada meio. Para embasar a observação do podcast, lançou-se mão de ampla bibliografia de referência. Partindo de uma análise que valoriza a economia da obra artística, como definida por Arnheim (1980), a peça sonora é observada como totalmente suficiente: os “espaços em branco” deixados pela ausência da imagem, em uma narrativa que preza pelos fragmentos de áudio, torna-se o principal diferencial do podcast. Facilita, assim como preconiza Crook (1999), mais do que criar imagens mentais, provocar sensações e emoções. Ainda com Crook, podemos afirmar que esse podcast corresponde ao ponto mais recente da evolução da produção sonora, que já nos anos 1990 vinha perdendo parte da efemeridade que caracterizou as radionovelas para permitir mais complexidade. Essa complexidade se efetiva com a boa aplicação dos recursos da linguagem sonora elencados por Balsebre (2007). O destaque, entretanto, é a interpretação dos atores: nos termos do paradoxo de Diderot reinterpretados por Huhtamäki (1992) para o rádio, espera-se do ator a busca da identificação do público com a personagem a partir de uma retidão na interpretação, o afastamento que transborda da interpretação dos intérpretes para dar o tom do relacionamento das suas personagens. Na passagem para o vídeo, percebe-se que o modo narrativo se alinha ao que Jason Mittel (2015) identifica como Complex TV. Mesmo no podcast percebe-se uma narrativa complexa, demarcada por ganchos fortes e estrutura capitular. A série de TV, tendo que abrir mão das características do found footage, bebe em outras referências contemporâneas para construir sua narrativa complexa. A versão em vídeo se torna mais autoconsciente que a versão em podcast, fugindo do naturalismo para reforçar a carga dramática. Tais elementos são observados à luz dos escritos de David Bordwell (2008) em suas análises sobre a mise-en-scène, encenação e estilo de direção, e em Renato Pucci Jr. (2008), quando este autor analisa a passagem das estruturas de linguagem Clássica para a Pós-moderna, criando um pacto não-escrito com o público sobre o jogo da encenação. 2. Resultados alcançados Percebeu-se que a linguagem sonora foi articulada no podcast para transmitir certo realismo, lançando mão de recursos que remetem à tradição do found footage, formato narrativo comum em diferentes produções de cinema e que são explorados na produção. Conversas telefônicas (aparentemente grampeadas), trechos das gravações das sessões entre Heide e Cruz e áudios recuperados em sistemas de vigilância, usados de modo alternado, permitem a construção de uma linha de tempo fragmentada. Cabe ao ouvinte prestar atenção aos detalhes, nomes e palavras soltas que figuram como “pinças” a serem recuperadas mais adiante. O ouvinte é levado por um labirinto de pistas soltas por meio de três elementos cuidadosamente articulados: efeitos sonoros, edição e uma poderosa interpretação dos atores, que promovem o envolvimento emocional do ouvinte. Os cenários foram construídos em camadas sonoras que revelam profundidade do espaço, deslocamentos e riqueza. Muitas vezes, há um grande volume de ruídos somados aos sons e conversas, tornando os diálogos de difícil compreensão. No campo da interpretação dos atores, destaca-se o naturalismo de uma conversa que não está sendo encenada – não obstante, esteja –, em que os atores conduzem o ouvinte a uma imersão total, como se este espreitasse a cena. Tal atenção só pode ser retida com minucioso trabalho nos detalhes sonoros: pausas, frases interrompidas, longas respirações e sutis mudanças de tom. Enquanto no podcast valoriza-se a conversa, tornando o ouvinte um bisbilhoteiro, no vídeo a sensação de observar escondido é traduzida pelo uso corriqueiro de câmera solta, na mão, que perde a referência de tempos em tempos e se denuncia; pelos enquadramentos inusitados (como um plano geral vertical, de cima para baixo), pela textura suja e pelo quadro reduzido no tempo presente – o diretor trabalhou diferentes tamanhos de janela, representando a perspectiva da personagem principal. Os longos trechos descritivos de áudio, avalizadores da autenticidade do relato dos personagens, são substituídos por fragmentação e montagem rítmica, como se a semelhança e simultaneidade de ações reafirmassem a equivalência dos diferentes tempos narrativos. A série em vídeo remete, em alguns momentos, a produções de TV e filmes dos anos 1950 e 1960, tanto pela composição visual – os filtros de cores, cenografia e vestuário – como pela trilha musical. Se, no podcast, a música é apenas a abertura e a transição de alguns episódios, na TV ela é mais subjetiva e adiciona carga dramática. No podcast, o ouvinte se alinha com a exasperação de alguém que, sem memória, confronta seu passado, e isso é tudo sustentado na voz da atriz. No vídeo, o alinhamento do espectador com Heide exige um trabalho cuidadoso de figurino, trilha musical, planos fechados de Julia Roberts e algumas cenas adicionais, que promovem um mergulho na psicologia da personagem, a partir do que se vê, e não do que se ouve. Conclusões Na transposição do podcast para o audiovisual, o realismo é deixado de lado, substituído por diferentes recursos estéticos (de direção de câmera, edição e direção de arte) que recriam o clima perseguido pelo podcast, o “suspense psicológico”. Em ambas as formas, Homecoming reflete as estruturas de sentimento contemporâneas, em que nos acostumamos a agir sob as regras de uma sociedade de vigilância. Talvez esse seja um dos indicativos do sucesso da série: alinha-se à contemporaneidade tanto pela presença nessas novas formas de distribuição midiática, as plataformas de streaming, como remetem a sentimentos atuais que permeiam a sociedade estadunidense e, por extensão, mundial. Homecoming é um fenômeno que merece maior atenção dos pesquisadores de mídia tanto pelos seus valores intrínsecos, caracterizado pela trama complexa e pelas linguagens de suas narrativas, quanto pelo que representa ao aproveitar as características inatas das plataformas. Referências bibliográficas ARNHEIM, R. Estética radiofónica. Barcelona: Gustavo Gili, 1980. BALSEBRE, A. El lenguage radiofónico. Madrid: Cátedra, 2007, 5ª edição. BORDWELL, D. Figuras traçadas na luz: a encenação no cinema. Trad. Maria Luiza Machado Jatobá. Campinas: Papirus, 2008. CROOK, T. Radio Drama: Theory and practice. Londres: Nova York: Routledge, 1999, edição eletrônica. HUHTAMÄKI, H. The five ways of the radio: paradox-dramaturgical fractions. S.i.: s.n., 1992. MITTELL, J. Complex TV: The poetics of contemporary television storytelling. Nova York, Londres: New York University Press, 2015. PUCCI JR., R. L. Cinema brasileiro pós-moderno: o neon-realismo. Porto Alegre: Sulina, 2008.
Título do Evento
10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Título dos Anais do Evento
Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

GAMBARO, Daniel; FERRAZ, Nivaldo; RAMOS, Thais Saraiva. A BUSCA POR NATURALISMO NA NARRATIVA COMPLEXA DE HOMECOMING E SUA TRANSPOSIÇÃO DO PODCAST PARA A TV.. In: Anais do 10º CONINTER - CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES. Anais...Niterói(RJ) Programa de Pós-Graduação em, 2021. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/xc22021/431416-A-BUSCA-POR-NATURALISMO-NA-NARRATIVA-COMPLEXA-DE-HOMECOMING-E-SUA-TRANSPOSICAO-DO-PODCAST-PARA-A-TV. Acesso em: 20/07/2025

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