OS QUINTAIS DO CEM: AS MULHERES NA PANDEMIA DO COVID 19

Publicado em 22/03/2023 - ISBN: 978-85-5722-682-1

Título do Trabalho
OS QUINTAIS DO CEM: AS MULHERES NA PANDEMIA DO COVID 19
Autores
  • Renata Fernandes
Modalidade
Resumo expandido - Relato de Pesquisa
Área temática
Direito Humano à Alimentação Adequada
Data de Publicação
22/03/2023
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
https://www.even3.com.br/anais/venpssan2022/481696-os-quintais-do-cem--as-mulheres-na-pandemia-do-covid-19
ISBN
978-85-5722-682-1
Palavras-Chave
Agroecologia, mulheres, alimentação
Resumo
O presente trabalho apresenta o surgimento da Agroecologia, demostrando que a prática, além de científica e institucionalizada (WEZEL et al., 2009), retrata e resgata os saberes locais e respeita a sazonalidade das frutas, legumes e vegetais, garantindo uma maior visibilidade para as mulheres e povos socialmente marginalizados. No meio da pandemia, como este trabalho apresentará, as mulheres do CEM - Comunidade da Serra da Misericórdia –, no Rio de Janeiro, tiveram que usar da criatividade para poderem alimentar suas famílias com uma comida que respeitou o trabalho e o meio ambiente, plantando e replantando os quintais e, assim, conquistando autonomia econômica em sua comunidade. Com isso, em um primeiro momento, resgatar-se-á o surgimento da Agroecologia, a força que ganhou durante o período pandêmico; na segunda parte do trabalho, será exposto o trabalho de campo, feito através das mídias sociais, por meio de entrevistas por WhatsApp e Google meet, pois o período ainda era de quarentena. A Agroecologia é considerada um campo multidisciplinar que abrange os espaços científico, institucional, agrícola, político e social. Surgida no século XX, a Agroecologia, principalmente nos países europeus, como França e Alemanha, nos anos 1930 era considerada apenas uma disciplina científica imbricada com a Zoologia e Agronomia, servindo ao manejo de pragas e colheitas, como demonstrado nos trabalhos de Tischler (Apud WELZEL, 2008). No decorrer do tempo, a palavra e o sentido da Agroecologia foram ganhando outros significados entre os pesquisadores e cidadãos, principalmente quando os desastres ambientais e alimentares começaram a ter destaque mundialmente (WEZEL et al., 2009). Nos anos 1970, novos significados começaram a ganhar destaque, especialmente com o movimento hippie, que buscava a liberação do corpo e se insurgia contra a comida industrializada; com a crise econômica dos Estados Unidos e em países europeus como Portugal, com a Guerra dos Cravos; e não se pode deixar de mencionar a Revolução Verde (1960-1970), que provocou uma intensificação na especialização tecnológica para a agricultura, surgindo o conceito de agrossistema (ODUM, 1969), invocando a agricultura híbrida, industrializada e natural. Além do mais, nos anos 1990 novas pesquisas e abordagens agroecológicas foram publicadas por universidades, tendo destaque os Estados Unidos e países da Europa. A Agroecologia expandiu-se, passando o seu objeto de estudo da escala dos agroecossistemas para os sistemas agroalimentares, entendidos como redes de produção, processamento, distribuição e consumo de alimentos, que se estruturam desde o âmbito local e territorial até a escala global. Em decorrência dessa ampliação, a Agroecologia é atualmente definida como o estudo integrado da Ecologia de todo o Sistema Alimentar, abrangendo as dimensões ecológica, econômica e social (PIMBERT et al., 2021). Como resultado desta evolução, a Agroecologia é compreendida em três esferas, interligadas entre si: Ciência, práticas e movimento social. Interessa mencionar que em alguns países como Alemanha, França, Estados Unidos e Brasil, de acordo com Wezel et al. (2009), ocorreram experiências diferentes com a Agroecologia. A Alemanha, por exemplo, possui uma longa tradição agroecológica como disciplina científica. Na França, a Agroecologia era compreendida como uma prática agrícola; já nos Estados Unidos e no Brasil há uma simbiose entre prática e Ciência, que ganhou cada vez mais força com os movimentos sociais que lutam e buscam melhorias no campo, melhores condições alimentares, mas também lutam contra a violência contra as mulheres e no campo e contra o racismo estrutural. Apesar da institucionalização da Agroecologia como Ciência nos países citados, é na América Latina que a Agroecologia ganha mais força como movimento social, em um caminho oposto ao da agricultura convencional, que se estabeleceu com a Revolução Verde (1960 e 1970) e na qual se introduziram agrotóxicos para a obtenção de maiores resultados na plantação e na colheita, pelo combate químico às pragas, o qual, infelizmente, prejudica não apenas a natureza, mas também os sujeitos que dependem da terra para sobreviver e os cidadãos em geral (SCHMITT, 2009), de modo que, na maioria das vezes, o acesso a esses tipos de produtos é muito mais acessível e barato. Um dos grandes exemplos da América Latina, de Agroecologia como prática, Ciência e movimento social, é o Brasil. Após a ditadura militar, que durou 20 anos (1964-1985), em sua redemocratização as pautas sociais ganharam mais força na arena pública, especialmente no que diz respeito à tecnologia inserida nas áreas rurais, trazendo consequências ambientais, políticas e sociais. Além disso, não se pode deixar de mencionar os impactos trazidos para a natureza e a perda de recursos fósseis para o planeta, causando um desequilíbrio metabólico (INFANTE-AMATE et al., 2017). De acordo com Jasanoff (2004), a sociedade capitalista industrial opera como um organismo que tem se apropriado de recursos naturais, e no qual os recursos fósseis circularão, sendo depois devolvidos ao meio ambiente na forma de poluição, com consequências negativas para o meio ambiente. Impreterível abordar o tema da alimentação quando se fala de Agroecologia (SCHMITT, 2009). Atualmente a alimentação e o comer não só envolvem os nutrientes ingeridos, mas também toda uma cadeia e escala de produção alimentícia e de práticas culturais. É sabido (PLOEG; J., D. van der, 2009) que a produção capitalista de alimentos tem sua produção baseada na homogeneidade de alimentos e no uso de ingredientes químicos desconhecidos, solapando o caráter cultural de um determinado local ou região e, como consequência, tornando os indivíduos mais doentes, muitos com propensão a ter diabetes, problemas cardiovasculares e outras doenças crônicas não transmissíveis (DCNTS). A forma como as indústrias e o capitalismo têm produzido alimentos acirra e agrava, cada vez mais, as consequências a médio e longo prazo sobre a saúde da população, incluindo a segurança alimentar e a saúde do planeta.. A Segurança Alimentar e Nutricional dedica-se a assegurar o acesso aos alimentos para todos os indivíduos, em qualidade e quantidade suficiente para promover uma vida saudável. De acordo com Altieri (2002), é necessária a promoção de estilos de agricultura que sejam baseados nos princípios agroecológicos. A Agroecologia corresponde a um campo de conhecimentos multidisciplinares e ajuda na contribuição de estilos de agricultura de base ecológica (PLOEG, 2009). A Agroecologia exige que a agricultura adote normas e princípios de manejo dos recursos naturais, e também a seleção e o uso de tecnologias ecologicamente adequadas, reparando assim os danos causados pelo homem na natureza. Dessa forma, acaba retratando toda uma cosmovisão de uma determinada cultura, mostrando como o ser humano e a natureza estão interconectados entre si, incrementando todos os tipos de relações sociais de um determinado local e ajudando na economia e na política pública (ESCOBAR, 2006). Com a declaração da pandemia do vírus SARS-CoV-2 (Covid-19), que mudou a forma de vida e a rotina da maioria dos indivíduos ao redor do mundo, a Agroecologia, enquanto Ciência, tecnologia e movimento social, voltou a ter destaque na mídia e entre a população. A princípio, não se sabe quais as causas do surgimento do vírus, mas Ribeiro (2020) cita três possíveis, sendo a primeira a criação de animais em confinamento; a segunda, o desmatamento de florestas para os monocultivos e, por fim, a ampliação das indústrias. Desta forma, foi necessário o isolamento preventivo para conter o número de contágios, e as pessoas precisaram adotar um cuidado redobrado com a higienização, como por exemplo a utilização de álcool para a esterilização do vírus, potencialmente instalado em algum pacote ou recipiente. Porém, o que mais chamou atenção nesse período foi a distribuição e abastecimento de alimentos, sobretudo agroecológico, nas cidades. No estado do Rio de Janeiro, uma grande mobilização no início da pandemia em 2020, convocada por movimentos sociais como o MST, que sempre abraçou a causa agroecológica e teve protagonismo produzindo e vendendo arroz em sua loja na Lapa-RJ. Outra iniciativa pós-pandemia foi o trabalho solidário com as cestas agroecológicas distribuídas por delivery, ajudando a abastecer casas de consumidores em busca de alimentos seguros e saudáveis. Não muito distante do centro do Rio de Janeiro, na Zona Norte, entre a zona rural e zona urbana, encontra-se o CEM - Centro de Integração Serra da Misericórdia -, que consiste na iniciativa de levar e proporcionar uma melhor alimentação para os moradores do arranjo da Penha. No ano de 2020, o CEM, a população das zonas periféricas da Penha e do Complexo do Alemão encontravam-se em uma situação mais complicada do que já estavam acostumados a viver. Com a explosão dos casos de Covid-19 e o isolamento social muitos moradores perderam seus empregos, e as crianças tiveram suas aulas canceladas, o que trouxe prejuízos à alimentação de muitas delas, uma vez que a maioria tinha na merenda escolar a principal e mais saudável refeição do dia. No primeiro ano da pandemia, famílias encontraram-se abandonadas pelo governo e pelas políticas públicas e, de acordo com uma interlocutora, “o auxílio emergencial demorou muito para as pessoas daqui da favela”; dessa forma, as mulheres da favela, do CEM, se reuniram e se movimentaram para a promoção da agricultura urbana com base agroecológica, integrando-se ao sistema econômico e ecológico urbano (MOUGEOT, 2000). Com isso, as mulheres do CEM usam de sua criatividade e de seus quintais para a promoção de saúde e de uma alimentação melhor e mais adequada aos alimentos sazonais (MOTA, 2021). REFERÊNCIAS ALTIERI, M. A.; NICHOLLS, C. I. Agroecology and the reconstruction of a post-Covid agriculture. 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Título do Evento
V Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Título dos Anais do Evento
Anais do V Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital

Como citar

FERNANDES, Renata. OS QUINTAIS DO CEM: AS MULHERES NA PANDEMIA DO COVID 19.. In: Anais do V Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Anais...Salvador(BA) UFBA, 2022. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/VEnpssan2022/481696-OS-QUINTAIS-DO-CEM--AS-MULHERES-NA-PANDEMIA-DO-COVID-19. Acesso em: 12/12/2024

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