DESENHANDO COM O CORPO: TRANSFORMAÇÕES EM UMA DESIGNER A PARTIR DE VIVÊNCIAS EM TERREIROS

Publicado em 25/03/2020 - ISSN: 2526-9933

Título do Trabalho
DESENHANDO COM O CORPO: TRANSFORMAÇÕES EM UMA DESIGNER A PARTIR DE VIVÊNCIAS EM TERREIROS
Autores
  • Ilana Paterman Brasil
Modalidade
Trabalho Completo
Área temática
Doutorado
Data de Publicação
25/03/2020
País da Publicação
Brasil
Idioma da Publicação
Português
Página do Trabalho
www.even3.com.br/Anais/spgd_2019/224979-DESENHANDO-COM-O-CORPO--TRANSFORMACOES-EM-UMA-DESIGNER-A-PARTIR-DE-VIVENCIAS-EM-TERREIROS
ISSN
2526-9933
Palavras-Chave
Arte e visualidade, Imagem e comunicação, Design e Antropologia, Design e corpo, Animação
Resumo
A partir de observações e vivências em terreiros de Candomblé da Baixada Fluminense, iniciei um processo de desenvolvimento de produtos audiovisuais de animação artesanal, inspirada pelos fazeres manuais que eram ali praticados. Após alguns resultados, evidenciou-se a relevância de descrever tanto as experiências vividas nos terreiros quanto o processo de criação das animações em uma pesquisa acadêmica, com o objetivo de possibilitar aberturas no campo do Design aos saberes observados e, ainda, de suscitar questionamentos acerca do progresso tecnológico e do corpo nos processos de criação. Ao participar de alguns projetos de filme com membros de terreiro, observando-os em atividades como o macerar de folhas, a feitura de fios de conta, a fabricação de xequerês e os variados gestos das danças, tive a necessidade de também criar com o corpo. A observação com a câmera já não era suficiente. Como eu poderia filmar e editar o material, sentada, de frente à tela? Como criar digitalmente algo cujos preceitos artesanais e corporais pareciam tão essenciais? Ou melhor: como co-criar com as coisas, da mesma maneira que a comunidade em que eu estava inserida criava, e cujas práticas eu buscava comunicar? A primeira resposta a estas perguntas materializou-se em desenhos em movimento de danças dos orixás, para integrar o material videográfico produzido. Os frames foram transformados em desenho por rotoscopia, projetados um a um sobre papel. Traços e preenchimentos foram desenhados a carvão e aquarela líquida, em ressonância ao uso constante de materiais naturais em rituais do Candomblé – o carvão é o elemento central de algumas cerimônias, bem como a água, em contextos diversos. O movimento corporal foi ressaltado, destacado pelo desenho (diferentemente do vídeo, que costuma apresentar a totalidade de elementos na tela). Assim, tornou-se possível uma percepção mais direta dos gestos. O uso de cores era importante para comunicar que orixá estava dançando – uma combinação de movimentos, gestos, cores e sons de tambor completavam esta comunicação. Após a experiência de transformar danças filmadas em desenhos, realizei o filme em animação "Acolhimento", apoiado pela Bolsa de Pesquisa e Experimentação Artística da FAPERJ, sob orientação da Prof. Dra. Zoy Anastassakis. A animação conta a história de superação de uma mulher candomblecista de Belford Roxo, enquanto desenhos de seus fazeres cotidianos de terreiro presentificam-se na tela. Com duração de aproximadamente cinco minutos e mais de mil desenhos, o projeto teve como consequência o aprimoramento de determinadas habilidades manuais, pela repetição extensa de processos. O desenvolvimento de um projeto de rotoscopia pode se enquadrar bem ao que o sociólogo Richard Sennett descreve em seu livro dedicado aos fazeres artesanais, "O Artífice". Negociando com os materiais, fui descobrindo seus comportamentos e, assim, tornando-me apta a manejá-los. A repetição de desenhos traçados a partir da imagem projetada, somada à antecipação dos comportamentos da aquarela e do carvão, gerou o que se pode denominar 'saber incorporado': o fazer era consciente, mas havia uma séries de ações que pareciam automatizadas no processo, em que o corpo 'já sabia o que fazer'. A incorporação (tradução de embodiment em "O Artífice"), de acordo com Sennett, é um processo essencial a todas as habilidades artesanais: a conversão da informação e das práticas em conhecimento tácito. Este conhecimento funciona como uma espécie de âncora, e a consciência presente como crítica e corretiva. Seriam como dois processos paralelos no corpo, mas em constante correspondência, um deixando fluir determinadas ações, e o outro observando e interferindo quando necessário. Após o término de "Acolhimento", surgiu a possibilidade de aprofundar o projeto em uma pesquisa de doutorado. A participação no Laboratório de Design e Antropologia do PPDESDI/UERJ proporcionou o contato com autores e pesquisadores que desenvolvem questões similares às surgidas nesta experiência. E, assim, descobri a leitura e a escrita também como parceiros de criação. Pude constatar, pelas pesquisas, que as vivências pelas quais eu passava dialogavam com um retorno ao corpo e aos materiais naturais nas atividades cotidianas. Um questionamento latente despertou: ao optar trabalhar com ferramentas artesanais de criação, por determinação de um projeto que buscava ressonância à comunidade observada, estava eu criando como designer ou como artista? Haveria a necessidade de distinguir estas habilidades, definindo o projeto em uma das duas áreas? Uma diferenciação histórica do fazer artesanal ao Design se encontraria na Revolução Industrial, quando um novo tipo de profissional passou a ser empregado nas fábricas – alguém que desenvolvesse a forma de um artefato que não seria diretamente fabricado por ele, mas por uma máquina. O escritor inglês John Ruskin foi um grande crítico deste afastamento corporal das práticas de produção. Naquele momento, o fazer do designer/artesão parece estar oficialmente separado do projetar. Pode-se associar essa separação ao modelo predominante de criação no pensamento ocidental: o modelo hilemórfico (Hyle = matéria; morphé = forma), que remonta a Aristóteles. O antropólogo Tim Ingold critica o que foi gerado a partir deste modelo, quando a forma passou a ser vista como um projeto em mente, imposto na matéria, inerte e passiva. A separação fazer/projetar, portanto, causaria um certo afastamento dos materiais, e consequentemente do próprio corpo. Ingold sugere a quebra desse modelo, apoiado por Deleuze e Guattari, atribuindo primazia aos processos de formação e transformação, e não aos produtos finais. Tais apontamentos para esta pesquisa em andamento estão sendo, neste momento, articulados a descrições das experiências vivenciadas e a pesquisas bibliográficas na área do Design e da Antropologia. Em paralelo, exercícios de criação de animações a partir de registros videográficos de terreiro continuam a ser desenvolvidos. Os desenhos em movimento sugerem uma outra forma de escrita, em que os corpos são destacados, e em que danças e gestos não são descritos em palavras, mas em linhas e traços. Os saberes tradicionalmente transmitidos pela observação são transpostos, traduzidos e transformados, ainda pelos olhos, mas acompanhados do fazer, do pensar e do criar pelo corpo inteiro.
Título do Evento
5º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI
Cidade do Evento
Rio de Janeiro
Título dos Anais do Evento
Anais do Simpósio de Pós-graduação em Design da Esdi
Nome da Editora
Even3
Meio de Divulgação
Meio Digital
DOI
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Como citar

BRASIL, Ilana Paterman. DESENHANDO COM O CORPO: TRANSFORMAÇÕES EM UMA DESIGNER A PARTIR DE VIVÊNCIAS EM TERREIROS.. In: Anais do Simpósio de Pós-graduação em Design da Esdi. Anais...Rio de Janeiro(RJ) ESDI / UERJ, 2019. Disponível em: https//www.even3.com.br/anais/spgd_2019/224979-DESENHANDO-COM-O-CORPO--TRANSFORMACOES-EM-UMA-DESIGNER-A-PARTIR-DE-VIVENCIAS-EM-TERREIROS. Acesso em: 19/04/2024

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