"Se Deus quiser
Um dia eu quero ser índio
Viver pelado, pintado de verde
Num eterno domingo"
(Baila Comigo, Rita Lee)
Em sintonia com a proposta do Espaço Expressa de Jundiaí, antigo Complexo Fepasa, sustentado na tríade “Cultura, Humanidades e Futuros”, o 12° Encontro de Tecnologia e Cultura propõe a temática “Humanidades e Futuros”.
Somos mesmo UMA humanidade?” perguntará Ailton Krenak. A concepção unívoca, e
por isso excludente, de cultura e de humanidade não tem nos levado a um impasse
muito próximo do que a banda Sex Pistols expressou como “No Future”?
O 12° Encontro de Tecnologia e
Cultura se converte em várias ações de ensino, pesquisa e extensão em que
docentes e discentes de diferentes Fatecs fazem uma imersão na temática
proposta a partir de experiências formativas como visitas a exposições - como ocorreu na visita da exposição Xingu: Contatos por alunos da Fatec no primeiro semestre - proposta de filmes, debates e leituras compartilhadas, havendo no primeiro
semestre o destaque para o Clube do Livro que passa a integrar, a partir de
2023, o projeto Fatec Portas Abertas.
Clube do Livro – Ideias para
adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak
A atual era
geológica, que os cientistas chamam de Antropoceno, construiu uma espécie de
espelho estranho e digitalizado, como um monitor de smartphone que
reflete a imagem da civilização da racionalidade ocidental com ares de uma
humanidade próspera, inabalável, feliz, segura de si, que supera e superará
sempre suas rugas e marcas da violência do tempo por ideais equivocados com
retoques de progresso técnico, como um photoshop a esconder os pontos
que indicam seu próprio fim.
Ler o livro de
Ailton Krenak, Ideias para adiar o Fim do Mundo, é se colocar diante de
um outro tipo de espelho, analógico e cheio de ancestralidade, sem truques e
perturbador. Nesse não há maquiagens da razão instrumentalizada, das grandes
corporações e de organismos internacionais, que insistem em apresentar a mesma
imagem, a mesma história da produtividade e da mercadoria onipresente e
onisciente. A proposta de adiar o Fim do Mundo, como diz Ailton Krenak, é uma
provocação constante, um apelo, uma astúcia, para que se tenha o direito de
contar pelo menos mais uma história, como fazia Sherazade em mil e uma noites. É uma
história da dança, do canto, da vida e sua fruição, de sua alegria, que Krenak
considera fundamental narrar. Para tanto, no mínimo, é preciso romper com essa
noção de humanidade que foi apresentada como única e, pior, distante da Terra. Se
há humanidade ela não seria apenas uma, mas múltipla, seriam humanidades. E
essas humanidades que não veem sentido na separação em relação à Terra, muitas
vezes são vistas como sub-humanidades, pois rejeitando o mundo da mercadoria
que vive a comer o planeta, são passíveis de extermínios recorrentes, como o
crime de Mariana e o recente genocídio Yanomami.
Para usar as
palavras do próprio Ailton Krenak, “Os quase-humanos são milhares de pessoas
que insistem em ficar fora da dança civilizada, da técnica, do controle do
planeta. E por dançar uma coreografia estranha são tirados de cena, por epidemias,
pobreza, fome, violência dirigida” (p. 70). Um dos ensinamentos do livro de
Krenak é permitir que esses milhares de povos nos contem mais e mais histórias,
em que o prazer pela a fruição da vida não seja tão fugaz em função do tempo
acelerado do consumo de mercadorias, aumentando nosso tempo de vida, adiando o
fim do mundo. É uma questão de sobrevivência, portanto, que se espera não restrita
a mil e uma noites, como no conto indiano.