Desde 2009, o Fórum de Mobilização Antimanicomial/FMA do Sertão do Submédio São Francisco tem mobilizado usuárias/os/es, familiares e profissionais das Redes de Atenção Psicossocial/RAPS, discentes, docentes, atores de diversos setores e segmentos sociais, com o intuito de aproximar a sociedade sertaneja do debate sobre a produção do cuidado em Saúde Mental, no contexto da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, em nível nacional e, sobretudo, regionalmente.
Sua primeira edição ocorreu como ação extensionista da Universidade Federal do Vale do São Francisco/Univasf, sustentada por docentes e estudantes de graduação do Curso de Psicologia e do Programa de Residência Multiprofissional de Saúde da Família. Investiu-se, para sua concretização, na tessitura de rede parceira, envolvendo particularmente as Secretarias Municipais de Saúde de Petrolina-PE e Juazeiro-BA.
O horizonte vislumbrado inicialmente ainda se sustenta: a urgência de fortalecer o protagonismo de usuárias/os/es da RAPS e familiares, em articulação a outros agentes e movimentos sociais, enfatizando-se a importância de investir em formação política dentro dos serviços territoriais e em diversos cenários do Vale do São Francisco, considerando a necessidade da luta contínua pela garantia de direitos fundamentais, em um país com tantos abismos sociais. O direito constitucional à saúde, que engloba o cuidado em liberdade, é sempre um tema que está na base. A rede de parcerias foi se ampliando e consolidando, já com o protagonismo do Numans, um dos frutos do 1o FMA, cujo tema foi “Loucura em movimento”, e dali não mais paramos, chegando agora à proposição da 10a edição. Cabe destacar que a implantação da Residência Multiprofissional de Saúde Mental/RMSM, na Univasf, somou forças à mobilização.
Em 2018, aconteceu o 8o FMA, conjugado à 5a Mostra de Atenção Psicossocial/MAP, voltada ao compartilhamento de trabalhos de extensão, pesquisa e de experiências diversas no campo da Saúde Mental/Atenção Psicossocial. Após o golpe de 2016, a conjuntura nacional era antidemocrática e marcada pela perda de direitos, com retrocessos na Política Nacional de Saúde Mental e no Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, bradamos em cada atividade: “Pelo cuidado em liberdade: na luta vamos viver!”, que foi o tema escolhido.
Ali, reafirmamos o nosso posicionamento em seguir lutando por um cuidado territorial e por uma sociedade sem manicômios, pautando uma produção do cuidado que legitime e valorize a singularidade de cada pessoa, em contraposição a modelos hegemônicos, generalizantes, prescritivos e normativos (não no sentido proposto por Canguilhem). O coletivo envolvido definiu que o FMA/MAP aconteceria a cada dois anos, investindo-se, no intervalo, em ações cotidianas voltadas ao ativismo antimanicomial na região. Contudo, veio a pandemia de COVID-19 e tivemos que recuar.
Em 2022, após o período pandêmico, decidimos realizar uma versão reduzida, chamada, carinhosamente, edição “de bolso”. Aconteceu, então, em 18 de maio de 2022, o 9o FMA - sem a Mostra de Atenção Psicossocial - com o tema “Vento engarrafado não empina pipa nem faz o cabelo voar”. Contamos com a força de um novo ator, a Liga Interdisciplinar Antimanicomial do Sertão - LIAMS/Univasf e, novamente, ativamos a rede parceira, destacando-se as equipes dos Centros de Atenção Psicossocial. A cada FMA, experimenta-se um exercício vivo de produção coletiva e solidária, com participação democrática, alegre, vivaz.
Reforçando o compromisso com a Política Nacional de Saúde Mental tecida no seio do processo de Reforma Psiquiátrica, ainda em curso no país, sendo inúmeras as disputas a serem travadas na contemporaneidade, considera-se que, para pôr fim aos manicômios, é fundamental fortalecer serviços territoriais da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), investir nas articulações intersetoriais, apostar na reorientação da formação de profissionais de saúde, diversificar as estratégias de mobilização social e alianças afetivas, de modo a pautar, defender e operar o cuidado em liberdade, premissa fundamental da Luta Antimanicomial.
Em sintonia com a carta produzida no “Encontro de Bauru – 30 anos na luta por uma sociedade sem manicômios”, ocorrido em dezembro de 2017, reafirmamos que nossa luta está atenta ao avanço do conservadorismo e da criminalização dos movimentos sociais no Brasil, terra afro-indígena. Assim, defender o cuidado em liberdade é defender radicalmente a democracia, a igualdade racial, a diversidade sexual e de gênero, as pautas feministas. Isso contempla um posicionamento contrário ao genocídio e criminalização da juventude negra, à redução da maioridade penal, à intolerância religiosa, à perseguição da produção artística e da livre manifestação de pensamento. E, sim, isso implica a sustentação do grito “FORA CT!”, repetido tantas vezes na 5a Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em dezembro de 2023.
Somos contrários/as/es a todas as formas de manicômios e seremos combativos aos “desejos de manicômio” presentes em nosso sertão e em nosso país, que representam vias de opressão e aprisionamento de modos singulares e diversos de ser, tolhendo a liberdade e instituindo mecanismos de controle. Se não há o desejo de controle da/o/e outra/o/e, não há razão para a existência de manicômios. A perspectiva é de ampliar e fortalecer as alianças da Luta Antimanicomial com movimentos feministas, negros, LGBTQIAPN+, luta antiproibicionista, movimentos das populações indígenas, quilombolas, camponeses/ribeirinhos e de rua, movimento de luta por trabalho e moradia, entre outros, na perspectiva de fortalecer a luta pelo ideal democrático, na busca de ferramentas para operá-lo nos diversos espaços sociais.
A premissa é de que toda vida vale a pena ser vivida, em sua pluralidade e diversidade. Assim, na perspectiva de avançar na construção de uma sociedade sem manicômios, estamos realizando o 1o Encontro Nacional do Cuidado em Liberdade, em articulação ao 10a Fórum de Mobilização Antimanicomial/6a Mostra de Atenção Psicossocial, com o tema “Cuidar em liberdade: uma luta de muitas gentes/frentes”, nos dias 25, 26 e 27 de setembro de 2024, no Complexo Multieventos da Universidade Federal do Vale do São Francisco/Univasf, campus de Juazeiro-BA.
Convidamos, com alegria e entusiasmo, todas as parcerias de movimento e luta para sonhar e construir junto a transformação dessa proposta em realidade!
Sertão do Submédio São Francisco, 16 de Maio de 2024.