A sexta edição do Encontro de Relações Raciais e Sociedade (ERAS) propõe o debate das temáticas que interseccionam educação, pesquisa, gênero, raça, classe, políticas públicas e lutas pelo território que configuraram os Quilombos e as comunidades quilombolas no Brasil. O objetivo deste encontro é contribuir para a construção e troca de saberes e experiências numa perspectiva de romper com um imaginário socialmente construído sobre estes atores e suas comunidades.
Para o debate, o VI ERAS recorre à Resolução CNE/CEB nº 8, de 20 de novembro de 2012, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica. Especialmente neste ano, em que tais Diretrizes completam 10 anos de publicação e pouco avançamos em sua implementação.
Para o saber-fazer, vêm à tona os sentidos de “aquilombar-se”. Expressão que põe em destaque a força e a importância tanto da existência quanto da valoração das comunidades quilombolas. Amparados no verbo, em seu sentido lato, aquilombar-se, visa possibilitar o apontar de horizontes. Horizontes do Quilombo como território, história, terra, memórias de resistência, cultura e crenças. Na dimensão que não cerceia, esperamos primeiro, como canta João do Boi, ‘’Ô aprender a ler/ Pra dar lição aos meus camaradas”. E isso se faz ao lançar perguntas aqui e no decorrer do Encontro.
Quantos outros sentidos do aquilombar-se nos são inteligíveis? Em quais direções foi e é conhecido o Quilombo? Sob quais perspectivas ele se fortalece em face a um país-território calcado na herança da escravatura?
E nas “asas” de Sankofa, o pássaro mítico que voa para frente, tendo a cabeça voltada para trás, carregando no seu bico, um ovo, o futuro, esse que urge desenvolver as temáticas propostas, requisitando percorrer a historiografia outrora contada pelas bordas e/ou margens. Sendo que, a quilombagem foi uma das diferentes formas de combate ao regime articuladas às revoltas individuais, levantes e insurreições urbanas.
Nesse aspecto, Cida Bento (2022) assinala a importância de se entender tanto a memória como a amnésia coletiva: trabalhar o território de memória é reafirmar que não se trata apenas de recordação ou interpretação. Memória também é construção simbólica , por um coletivo que revela e atribui valores à experiência passada e reforça os vínculos da comunidade. E ao se lançar olhares ao céu de uma noite funda, no porão de um navio negreiro (MENDES, CAPINAN, 2003), se reconhece que a diáspora forçada trouxe, não só homens, mulheres, crianças, seus deuses, suas crenças e seu folclore… Trouxe ainda mais: valores civilizatórios, visões de mundo, memórias, ritmos, cantos, danças, dúvidas existenciais, alteridades linguísticas, suas histórias e culturas (DE DEUS, 2016). E do alto, reelaborar essas histórias e culturas dignifica suas memórias de resistências que configuram as comunidades quilombolas, como “sujeitos de sua própria história” e não sujeitados. Nessa dinâmica, consideramos os quilombos atuais como espaços de “continuidade histórica”, termo proposto por Beatriz Nascimento (2021).
Entre ser “nascida do navio negreiro, reconhecida pela Constituição de 1988” até hoje, as comunidades quilombolas, de acordo com Cida Bento (2022), respondem à dimensão estrutural do racismo, (…) a população negra se organiza em coletivos de natureza diferente, e assim, a semente do quilombo, não para de crescer. Nesse horizonte, esses diversos tipos de grupos de jovens, professores, intelectuais e artistas, trabalham com o conceito de quilombo como território de memória, de resistência, de fortalecimento cultural e precisam ser apoiados por políticas públicas e programas de diversidade e equidade. Germinantes por assim dizer. E, como fecha Itamar Vieira Junior em Torto Arado, “sob a terra há de viver sempre o mais forte”.